setembro 27, 2010

Uma mercearia transportada num camião de França


Há pouco tempo a minha mãe deu-me um colar em ouro com uma chapa pequenina onde o signo peixes brilha na luz do sol das melhores tardes solarentas de Lisboa.
A essa chapa juntei um berloque em ouro de uma pequena âncora que estava perdida no chão e que a minha mãe achou há umas semanas atrás. Nunca gostei de usar ouro. Nunca achei o ouro atraente. Sempre achei que o pescoço de uma senhora se deteriorava na presença de um colar em ouro, por isso tenho usado colares de prata toda a minha vida. Mas desta vez, o pequeno berloque saltava alegre à espera que eu o apanhasse e colocasse junto do meu pescoço. Deduzo que de há umas semanas para cá tenho-me rendido às delícias de um colar de ouro que a minha mãe me deu em pequenina. Agora ando com ele e com aquela âncora que me lembra o mar furioso dentro daquele pedaço pequenino de ouro. Quem diria que um pequeno berloque trouxesse consigo a força de mil canhões e embebesse a força de mil águas salgadas furiosas?Não sei a resposta,mas tenho a certeza que não sou pessoa melhor por trazê-lo comigo. Apenas me sinto mais humilde e refortalecida por carregar acima do peito um pedaço de criança.
E depois surge a pequena questão que me atormenta todas as noites? Porque não transformar aquele velho espaço numa mercearia ou chocolataria e trazer vida a uma pequena vila que necessita de uma intervenção emotiva? Ou porque não trazer de volta as vinhas e remodelar a casa do velho conde e tornar a vila um lugar mais acolhedor e cheio de vida? Porque não?
Quando penso nisso trago no nariz o cheiro a maçãs caramelizadas e a sumo de laranja fresco pela manhã. O cheiro a lençóis lavados no estendal entra pelas narinas apressado e instala-se na minha cabeça como se fosse uma almofada feita de nuvens. E é aí que me lembro das crianças a correr, de um escritório cómodo e da cara triste de uma secretária aborrecida que esconde na gaveta uma laranja em pulgas para sair daquele compartimento. É exactamente nesse segundo que me recordo de um velho professor de Latim e da sua caneca de chá e me lembro da minha melhor amiga num vestido branco de verão, e um ramo de geribérias laranjas na mão a sorrir para os familiares e amigos que estão sentados na mesa grande ao pé das árvores de fruto.
É ai que paro e penso que é possível trazer a felicidade de novo a estas terras e é aí que o amor reside. Reside em todos os lugares de todas as vidas presentes naquele campo. Por isso é possível ser-se bom no campo. É possível ser-se bom em qualquer lugar, desde que os nossos sonhos nos persigam e nos beijem a testa segredando palavras de coragem.

1 comentário:

  1. Gosto imenso da forma como escreves, tens uma percepção muito assertive mas ao mesmo tempo extremamente literária da realidade. Parabéns.
    E relação ás farinhas, na verdade quando quero os bolos fofinhos uso farinha com fermento. Para bolachas, biscoitos, tartes uso sem fermento.
    Espero ter-te esclarecido.
    Bjo e boa escrita.

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