junho 28, 2011

sonetos lilazes

Quando o pronúncio do verão chega, atinge-me uma saudade inóspita e uma tristeza atabalhoada no coração. Em pequena nunca me inspirei e confiei em diários para relatar a minha vida, que ora contém graça, ora perde-la em dias dissimulados pela chuva.
Mas algo em mim teima mudar, caminhando para juzante em direcção ao meu coração. Um pontada afiada de uma faca sentimental que me empurra para as águas bravas dos livros inquietantes e das actividades fora de moda. Fui levada pelo vento no dia em que comprei um regador azul, fazendo questão de regar uma única planta cá em casa com os devidos objectos. As canecas não me pareceram suficientes.
Este trouxe-me de volta até que me fundi nas águas profundas e rolei com as ondas espumadas e salgadas da ternura. Foi-me colocada nas mãos uma sebenta com provavelmente vinte anos e uma brisa arrepiante trouxe-me a teima das leituras no jardim ao pé de casa quando o sol fustiga a relva e dá mote e fundo ao canto dos pássaros que jazem nas árvores em plena alegria.
Agora não quero deixar o mar. Quero voar com o vento. Já cheguei a considerar tais eventos mero resultado do ridículo mas ainda acredito em lugares perfeitos e momentos carregados de Amor. Um amor que se perde pela terra húmida debaixo das árvores do pomar. Aquele amor que todos temos receio de encontrar, porque é esse que se revela em mágoa. Uma dor lacinante no peito que nos rasga os órgãos e parte os ossos de júbilo.
Na minha cabeça mil e uma histórias são trauteadas como se tivesse nove anos outra vez. Agora quando provo o vinho quente e doce que me incendeia a boca sou transportada para esse lugar remoto de novo, em que era a minha infância. Quando por magia, os sons dos blues ou do jazz me percorrem as veias do corpo e me enchem de nostalgia. São sonetos com cor esses momentos. Este verão decidi compor sonetos. Sonetos antigos, verossímeis e que cheiram a almíscar e a lilazes.
Vou colocá-los junto ao frasco de água de colónia de lavanda francesa e da caneta de tinta permanente. Quando o carteiro passar possa ser que os veja e os envie a quem já viveu este tipo de amor. O amor que encontramos no coração de alguém que ora amámos e perdemos ora, nos apaixonámos e amamos para o resto dos dias gloriosos da nossa vida.




Os sonetos são da cor do lilás.


















Rachel Portman-Grey gardens (suite)

junho 19, 2011

how to build a home



Um clarão azul trespassou pela janela e relembrou-me que a vida é dura demais para perdemos o amor da carne e da alma. Por todos os rasgões que a pele sofreu o corpo parou e o coração estagnou no tempo. Eu queria fugir e correr incessantemente até atingir a sofridão máxima de uma vida repleta de desilusões. As paredes estalavam ao som dos canhões e labaredas de fogo que engoliam as casas e os sorrisos traquinas que ainda voavam nos escombros das cinzas. Pessoas gritavam e gemiam de um medo tenebroso que as consumia a toda a hora. Sentiam-se invadidas de um sentimento leproso e pouco risonho. A alegria tinha emigrado para um sul bem distante. Bem longínquo da terra calorosa com casas junto ao mar. Eu vivia numa dessas casas. Uma casa que tinha sido construída sem saberem bem como a construir. Fora elaborada através de braços fracos, mentes fechadas e famílias separadas. Nessa casa, reinava a escuridão e as paredes tingidas de tristeza gozavam de vida causta e estéril. Ninguém falava. Os corpos petrificados retiam as lágrimas que gelavam com o frio de inverno.



Quando a luz do sol trespassou umas das janelas da sala principal, um sentimento novo tornou-os iguais e algumas flores brotaram do lado de fora da casa. As paredes despiram o castanho e do chão foram varridas todas as dores.
Um aceno leve trouxe-lhes de novo a esperança e um som calmo do piano deu à luz a harmonia. Duas mãos ligadas, dois sorrisos mostrados, dois abraços partilhados e uma vida nova que nasceu.

Foi assim que essa casa se contruiu. É assim que se constrói um lar.