outubro 31, 2013

Gravity

O guitarrista acocorado sobre o palco arranhava a pele dos dedos no instrumento deitado.  Era um som cipreste, não de longe. Quando esse momento acontecia agarrava-se à orgia da música que era no fundo o rosto dela. Esquecia a casa, os quadros, o duche de fim de dia. Ficava louco enquanto a luz embatia sob as veias brutas nos braços dele. Como se fizesse algum esforço voluntário, quando, no fundo, vomitava as notas com prazer de dentro.
Ele, com o corpo contraído, tinha sonhos. De se elevar e não sentir a pulsação da terra a empurrá-lo para as coisas vulgares. Por isso tocava. Tocava até que a guitarra ficasse doente, e tivessem os dois que regressar a casa.
Para junto da gravidade.



Agora sinto-me diferente. Entrecortada nas árvores como no romance de quem escuta e não passeia.
Estou diferente, no amor.

outubro 30, 2013

Há um sinal que nunca te falei.  Um ponto castanho de amêndoa encerrado na pele junto à lua direita do meu peito. O fio de prata que carrega a cruz e que me nasce no pescoço sorri-lhe de lado quando estou nua.
Há esse sinal que nunca te falei. Uma mancha que anseio que lhe toques com a pele áspera do desejo das tuas mãos.


outubro 29, 2013

És um espasmo que vem de fora e penetra dentro. Não é só físico mas sobre todas as coisas que existem entre nós. Entre os outros que não fazem a mínima ideia de nós.
E só queria que permanecesses para sempre.

outubro 28, 2013

«from which only one man returns to tell the tale, more dead than aline»

Quando entrei no Continental para estudar Coleridge investiguei a sala como Monroe. Agora os seus pensamentos e demónios estavam comigo durante a fase nua que era a minha etapa adulta.
E os desejos seriam todos de ti. De ti inteiro, dentro de mim.




outubro 27, 2013

"Abraçou-me como se abraça o tempo".

Ontem quando olhava para Lisboa, perdida na noite, de luzes acesas não pensava no sentimento do dia de hoje. Na necessidade de ti. Na vergonha que às vezes tenho em falar-te da necessidade de ti. Porque acho que te farto. E depois canso-me da viagem que é recordar-me do tanto que nos separa. Canso-me. Perco a vontade de ter alguém que me agarre na anca e me beije durante a noite inteira.
Porque é Lisboa.

Enter the dragon

Acordar e ver filmes de chineses com o meu irmão. O cão que respira lentamente na colcha onde dorme. A luz de Domingo a implorar para entrar nas janelas.
Gosto das tardes calmas de Outono na vila. Da sensação de verão inacabado.


outubro 25, 2013

Ás vezes acho que a vida é um aborrecimento sem ti. Com essa dor que é a distância. O nó que aumenta pela imagem do sentimento que não se faz sem ti.
Dou por mim a ter sonhos vívidos como a força do vento. A recuperar-te em certos acenos de alma. Na pequena representação dos teus beijos em mim, que adivinho viciantes.
Afinal, isto é de quem está apaixonada por ti.



tio

A minha mãe falou-me de um irmão seu. O meu tio. Esse homem, que desconheço o rosto e que trabalhava produzindo ossos de navios, e mais tarde nos submarinos.
Hoje quero conhecer o meu tio.


outubro 24, 2013

faz-me companhia.

 Amanhã está mesmo bom para dormir até tarde com a chuva de pedra a cuspir no resto do mundo.
Estás em tudo o que se vê.
Porque sonho constantemente com os teus abraços.


outubro 23, 2013

A chuva irritada de hoje que colide com o mar parece uma pintura impressionista sob o vidro que deixa transparecer a imagem total imperceptível.
É isto que amo na estação.


outubro 22, 2013

"E essa chuvinha lá fora Parece que é feita pra nós", Carlos Lyra

Chegou um postal de Paraty. Chegou, finalmente, assim a praia e orla.
Um pouco de céu e mar, exactamente. Tão igual a ti.


outubro 21, 2013

Vamos apenas para dentro da cama até cessar o Inverno, e ser Primavera outra vez.
Não deixes de estar aqui enquanto o frio invade. A ilusão esquece, o amor não.


outubro 20, 2013

Choveres em mim é chorar na direcção contrária.
Deixam os nossos corpos de ser Inverno.

outubro 19, 2013

It's not the same moon



O homem sentado no cais penteava-lhe os cabelos com teorias universais. Ela estava longe, à distância das estrelas. Falava-lhe entre discussões, de como seriam os homens de outras viagens.
Seria possível que os caminhos os magoassem tanto no futuro, da mesma forma como os tinham juntado no passado? Ela não parara de insistir na ideia de os seus caminhos chocados e quebrados, depois de ouvir o que as constelações lhe diziam. Lembrava-se do toque dele, já maduro sobre a pele dela. O amor que faziam devagar no cais, depois do trabalho, dos navios.
Diferentes rotas de navegação que os dirigiam ao mesmo sítio, e agora que falavam à distância, como seria a eternidade?
Ela não sabia as respostas. Nem ele de como tinha chegado às mesmas perguntas. Mas amavam-se, com um gigante vazio entre os dois.


outubro 18, 2013

Perfect Sense

No mundo onde ainda haviam sentidos recordei-me das várias histórias.
Do juíz e da modelo no filme francês. Da enfermeira perturbada no apartamento de Chicago. Dos fragmentos sentimentais da peça de teatro do Maria II. Na casa vazia, de madrugada, onde te esperava, degolada pelo desejo.
Recordei-me ainda deitada sobre as letras da história de Calouste e daqueles vultos que caminhavam nas direcções grandiosas do sucesso.
Da rapariga a estudar longe, e do gelo das ruas de leste.
Eu lembrara-me, ainda que vagamente, das prateleiras quase negras de mogno que abraçavam os livros em cobertor, e que seriam colocadas na sala pequena. No espaço sem cheiro só com ideias.
E depois, alguns segundos significativos depois, tudo ficou mais vazio e feio. Foram todos perdendo os sentidos. Até ficar o vazio, no entanto todo.
O sentido perfeito - o amor.


outubro 17, 2013

Para a ursa, mais propriamente PÓLO NORTE

Antes pensava que esta coisa de vir aos blogges não dava com coisa nenhuma. Talvez tivesse uns dezoito anos quando me apercebi que o mundo da Internet se tornara mais sério do que eu julgara, ou todos julgáramos. Já não estávamos no tempo dos grandes jornais, que eu tanto defendia. Os saraus literários à moda do Ega e a pouca trivialidade do mundo epistolar.
Esses eram os meus sentimentos creditados, os mesmos de agora, apesar de um pouco limados.
No dia em que fui dar de caras com o blogue da Pólo Norte, aprendi o que muitos livros não me ensinaram no tempo da Universidade.
Agora, na margem aflitiva dos romances, dos grandes empreendimentos literários eu tinha aprendido a ser mais genuína e a fazer uso da minha capacidade humana de dar, a qual eu tinha usado em demasia e em detrimento de mim própria.
Não me passara pela cabeça achar a ursa tresloucada e desvairada.
Quando comecei a ler os seus relatos, era uma miúda, tal como eu me achava uma miúda. E depois a ursa foi mãe, e eu dei uns trambulhões na vida.
Já não chegava a casa sem a vontade inóspita de ir respirar o ar do "Quadripolaridades". Havia aí muita matéria para aprender.
Talvez a ursa não saiba, mas ela podia escrever um livro. Não desses cheios da sujidade das palavras e sem devaneio sincero.
A ursa podia escrever um livro. O livro que falasse exaltadamente dos olhos da Ana e do sorriso do marido que pernoitava nos olhos dela todos os dias.
A ursa, então nessa tarefa tão difícil que é a escrita, podia dar-se ao mesmo trabalho que os grandes escritores que eu admirava tiveram.
Nessa tentativa chegaria às livrarias e eu respiraria o mesmo ar quando entrasse na sala impregnada do perfume dos livros velhos, e seria feliz.
Talvez fosse diferente, uma realidade diferente.
A ursa poderia ser muitas coisas fora da sua compreensão fenomenal pelo mundo, e pela forma como olha o sol. A generosidade que não vem, senão apenas por impulso brusco do coração. Essa carga tão tangível quão as palavras dos livros que eu amava.
Mas não seria a mesma coisa.
Nada seria a mesma coisa, se a Ursa não fosse a Ursa e se eu não a imaginasse como ombro, ombro quente no Inverno da vida...blogueira!


13/42

Havia uma sensação doce que lhe ocorria no meio das pernas quando pensava nele. As horas passavam alvejadas pela rapidez. Os beijos dele a sangrarem pela pele dela, que no entanto, eram imaginados. Eram sucessões de fazes de amor entre os dois que a deixavam feliz nos dias que copiavam a tragédia Shakespeareana.
Havia uma colisão qualquer entre os dois que não os machucava. Uma diferença de absurdos deliciosa.
Amavam-se.


outubro 16, 2013

O rosto e o olhar de Monalisa da mulher pernoitavam na distância da paisagem que rebentava lá fora. Estava ao lado dele, o homem de camisa e traços risonhos, ela de blusa verde esmeralda e blush nas maçãs do rosto.


outubro 15, 2013

o ser do inexistente

Querendo saber o que não há, torna-nos simplificadamente egoístas. Sem saborearmos o sabor da ignorância que não é ácida no paladar.
Percebi essa parte, já não tão chata da existência, na carruagem de metro na neblina do meu reflexo vitreo. Essa parte de mim que vi, e que preferia desconhecer, ensinou-me a gostar da outra existência das coisas que ao nosso olhar são nulas.
Quem, como eu, nos parâmetros do romantismo, deseja essa parte sublime que nos eleva, é um pouco feliz.
A feliciade advém desse travo imaginativo que o vazio carrega. E hoje, fui livre em todo o silêncio que cabia na sala.
Assim, desta forma, no mundo.


ciclo harmonioso

O quarto estava vazio, de cal. Apenas a cama e os móveis cobertos por lençóis.
Foi nessa noite, a comungar com a solidão das paredes e do vazio, que percebi o belo, e no mesmo compasso a força com que nos agarramos aos sitios que estão pintados por nós. Por memórias exteriores a nós. As fotografias, os objectos, o cheiro que paira e não desaparece. Uma chama que de vez em quando se apaga.


outubro 13, 2013

Bibliófila

Estou a dez páginas do fim do livro, e já a pensar no próximo que vou comprar.

outubro 11, 2013


É por isso que somos grandes. Por que  apesar de almejarmos o mesmo lugar que o céu, criamos o bom, a arte. Ou pelo menos cingimo-nos a esse esforço dela, ainda.




outubro 09, 2013

Como a literatura mudava a cidade, o olhar dele estava sediado na distância.
Lá rasgado de montanhas de leste.
Foi por isso que escondi o olhar.



outubro 06, 2013

andava a sonhar com um amor assim


she lasted a lifetime

O roxo comprido do vestido educou-a para a paixão do mistério. A mulher recebeu-nos devota aos nossos segredos, e entregou-me a pulseira fina jurando promessa.
As manhãs de Domingo poderiam ser sempre assim.



outubro 04, 2013

ser druída

O olhar dela era carnal. Falava educadamente, quando não tingia de vermelho a solidão e os homens.
Era selvagem. Mulher.


outubro 02, 2013

As razões eram o sorriso ocidental do Valentin. O livro estreado no comboio na manhã. A recordação do pai. A estação que decorria sem acidentes, apenas chuva e cactos sentimentais.
Era início de Outubro.
Era.