janeiro 29, 2012

a asa da borboleta

Nada é para sempre. Os tapetes e os cortinados que tens na sala não vão ser sempre os mesmos. E sempre que pensares que és uma só pessoa, vais estar enganado. Dentro de ti existem dois e se não dominares ambos, a vida vai ser uma combustão constante dos teus sentimentos. Nada é para sempre a não ser a certeza de que a borboleta dentro de ti, cresce e quando morrer outra vai nascer na tua vez. É um ciclo.

janeiro 27, 2012

give your heart a break

O amor anda um pouco aos solavancos. Os sons que se parecem com desejos eternos de felicidade agora já são capas de revista e passeiam-se sozinhos sem um cunho de mãos dadas. Com a crise, já deixámos o esforço de lado e conjugamos o verbo amar no pretérito perfeito. Levamos nas mãos as luvas da certeza de que tudo dará certo e não saímos de casa sem as vestirmos. Temos medos e temos idade avançada no que toca ao amor. Nada nos surpreende porque o amor agora é catalogado. Todas as mulheres e todos os homens escondem-se atrás de manequins e amor chama-os do outro lado da vitrina e quem passeia do lado fresco da rua não pensa em entrar na loja. O amor anda desaparecido. Anda malvado e anda sem forças para se mexer. Deixá-los aborrece mas também dá trabalho dizer-lhes que os amamos uma vez por outra ou dar um beijo na testa. O amor antes dava um pombo, cem escudos e um livro, agora um bilhete postal já se chama de exagero. E mata-nos saber que o amor pode brincar connosco, mas a verdade é que quando se brinca com o fogo podemos acabar por queimar as mãos, ou neste caso, a alma.

janeiro 25, 2012

Os nossos casacos vermelhos

Ali não há o retrato sujo da inocência. Eu já fui como tu. Não tive a coroa negra na raiz dos olhos, mas tive esses dedos pequenos e essa razão que todas as crianças têm. Eu também me deixava mergulhar pelo silêncio e tinha receio da altura de ambos os meus lados. O mundo encarrega-te de te tornar numa certeza cheia de dúvidas, esculpida num corpo que tem vivido mais estreito, mais frágil mas mais capaz, cada vez mais perto da fronteira dos desafios. Ali, naquelas terras que observavas à tua volta, não existe o escuro, eu percebo. É fácil mentir onde ninguém percebe a mentira e por isso é que negavas todas as ofertas que a tua avó fazia. Ela estava muito longe, tu estavas do outro lado da barreira e comias gelados com os olhos sem te entregares à tristeza. Talvez te formes no meu inverso mas tens ali bem perto das pontas dos dedos a magia a querer sair, a querer fugir para fora do corpo. A única coisa que aprendi desde então foi que muitos olhos são cegos. Carpem e cospem a magia das mangas dos outros, mas eles mesmos vestem casacos de manga curta. Para eles não existe limite, para eles não existe céu e nenhum deles tem uma gabardina vermelha como a nossa.

janeiro 21, 2012

do you believe in Santa Claus?

Já alguma vez olhaste na cara de uma criança e viste o rosto de a quem se diz que o Pai Natal e o Coelho da Páscoa não existem? É o rosto da morte dos sonhos. É o rosto da desilusão. Qual o melhor caminho a escolher? Qual a vantagem de não acreditares? O que perdes em acreditar? Existem crianças que sabem. Eu sei. A vida não ta dá tão facilmente . Não te é suposto escolher entre a desgraça e a felicidade. As vidas não se constroem por esse caminho. A direcção do sucesso não se conquista pelo único andar. É assim que te tornas crescido, na penumbra da negação da tua existência ou na possibilidade de seres o que quiseres? Como é que lutas mais pelo respirar e pelo fôlego da vida? Tu existes onde tiveres que existir. Cairás nos abismos que tiveres que abraçar e a miséria vai-te dar a mão na circunstância do acaso. Faz-te ao destino porque a sorte faz-se, não se impõe ou retira no olhar de uma criança de 6 anos que caminha com a esperança embrulhada nas mãos.

janeiro 20, 2012

és servido?

Ninguém mudará Lisboa e o fado agarrado à ponta do ouvido. Nada roubará a Lisboa dos estudantes e a carpete velha e a estante antiga da livraria da alma lusa. Ainda se respira Lisboa.

janeiro 19, 2012

Um candeeiro pendurado no tecto

Sabes que já esgotaste a solidão em ti quando a casa está cheia. Quando o ruído já não incomoda porque é feito de silêncios juntos. Quantas vezes memorizaste o vazio e trouxeste para casa a brincadeira do tempo. Julgavas brincar porque eras inocente, e quando se existe dentro da cegueira tem-se a brincadeira do destino nas mãos. Sabes que as portas já não batem quando passam a estar abertas pela noite dentro. Quantas vezes te fizeste escravo da prisão porque alguém te tapou os ouvidos. E a vida que escorre para lá dos vidros não é como a chuva que abençoa o chão. A vida que vês a curta distância é a tua. A vida que navega à espera da tua decisão e que não se esgota na impaciência. A vida possui mil vidas e cada uma tem mais filhos. E a vida que escolheres encontra essa manta de outras vidas que te aquece os ombros até que a solidão perece. Não és ninguém sem alguém, e agora que as janelas estão abertas não faz mal dar o salto. A vedação é transparente e há braços para te suportarem a dor. Afinal, dentro dessa vida do jardim que a janela observa existe muitas delas que servem de berço à tua felicidade. A esperança de encontrar no parapeito da janela de braços abertos pronta para beber a imensidão.

janeiro 17, 2012

o tesouro

Não há chuva que não molhe os parvos e os inteligentes. A chuva é brava. Queima a chama dos corpos que se apaixonam pelo retiro da água e das folhas. Há angústia, há tristeza e a solidão consome porque ninguém se atreve a ser melhor que ela. Ninguém se atreve a cair nos braços da chuva. Não há deleito, não há cor nas almas. E mesmo que o corpo precise de um toque e mesmo que o corpo precise de amor frio, amor rural, eles fogem, retraem-se na luz dos outros que são cegos. Os que não vêem a chuva. Os cegos bebem a chuva com os sentidos e vêem a felicidade no escuro, e não há chuva que não molhe conscientes e fazendeiros. A chuva só não molha os que se atrevem a beber a chuva. A chuva só não molha quem tem amor por ela. Ela inunda, escorre estúpida pela cidade e vivemos debaixo dela com medo, como se a chuva matasse e encolhesse o coração. Ela pára o movimento e raspa o chão da calçada e a calçada do chão deixando tudo vazio, deixando vazio o que já é vazio. A chuva só não molha a chuva que ama os humanos.

janeiro 16, 2012

what you're made of

Como se pudéssemos prever alguma coisa. Como se pudéssemos prever que o mundo nos ia cair nas mãos e à volta do globo fossem só pontos de interrogação intermitentes. Como se fosse trabalho de alguém superar a confusão dos dias sem nada para nos proteger do frio. Preocupa-me que o mundo não seja estável, preocupa-me que a visa mude sem avisar e que hajam caminhos que não nos facilitam a jornada. Há pó por todo os lado. Existem estranhos por toda a parte e sem esse sentido de que precisamos não conseguimos segurar na âncora. Não é suposto agarrares no globo e rolares a bola azul com um só dedo. Não é assim que a vida decorre. Não é para isto que foste destinada. E existem muitas palavras para dizer as soluções, mas poucas que te empurram para lá. Não há outro caminho para escolheres. Tens que te escolher a ti, tens que escolher a vida em vez da morte. Tens que te escolher. Porque és feita de fibra e quando deres por ti vais estar de volta, assim que andares rumo ao teu porto de abrigo.

janeiro 15, 2012

Foi um último pedido. Não quero ter que pedir outra vez. Não quero ter de voltar ao que nunca quis encontrar. Aquela era uma rua que eu desconhecia e que depois de entrar não quis voltar. Foi o último pedido porque agora deixei andar e o destino trouxe-me de volta. Trouxeste-me de volta :)

janeiro 14, 2012

pérolas ao pescoço

Olha é andarmos como sempre fomos, com o véu que Deus nos deu no início. Se permaneceres o que és ninguém te vai desconhecer. Vais sorrir mais, vais andar menos iludida dentro da tua ilusão saudável e o mundo vai-te transformar numa mulher. É isso que nos acontece. É isto que acontece: A Vida.

janeiro 12, 2012

tenho dito

Isto é merda. A cabeça está em merda. O corpo está um trapo. Isto está mal.

janeiro 09, 2012

palavras que dizes, eu escrevo

"Desde pequena, oiço dizer que a saudade é uma coisa portuguesa. “Longing” , embora digam o contrário, não é saudade. É um “desejo de querer algo que não se tem”. E em francês, a “nostalgie” que eles dizem sentir, esse “sentimento leve de pesar despertado por uma lembrança”, em nada se parece com a nossa saudade. A nossa saudade é uma “lembrança grata de uma pessoa ausente”, são “boas recordações”, é uma “mágoa causada por uma privação” e nada tem que ver com um simples desejo ou um sentimento leve – é algo forte, nosso. Português. Falar português é, entre muitas outras coisas, uma parte de nós. É o que nos identifica, o que nos destaca dos outros: “é português” - pensam – assim que nos ouvem em qualquer outro lugar do mundo. É parte de nós. É pela língua que qualquer um de nós explica o que sente, o que quer, o que é. Tentar explicar a saudade ou qualquer outra palavra, tentar explicar quem somos ou o que queremos, numa língua que não é a nossa é, logo à partida, anular o que somos. Deixar os sentimentos ficarem pouco claros. Faz-nos estranhos. É como que assaltar a alma de outra Pátria. E quando deixa de nos fazer estrangeiros, perde-se a alma do que é nosso. Perde-se um pouco de nós. Já ninguém olha para nós como “filho” de Portugal. Em vez disso, olham para nós, interrogando-se de quem seremos, onde pertencemos. Fica a saudade – que, essa, será sempre nossa." não foi dito. eu sei. e não vai desaparecer. eu estou aqui para ficar (:

janeiro 05, 2012

licor literário

Tenho o prazer de lhes dizer que não são meus. São longínquos e pertencem à distância como a terra se faz de húmus. Não são lugares onde eu nasci, mas a vida leva-me até lá e vejo-os pendurados em cada prateleira. Inertes, estáticos e protegidos da insegurança e destreza da solidão que o tempo manuseia sem pensar direito. Tenho-lhes as sombras das árvores, os carreiros que levam aos rios e as luzes que trespassam as folhas e as plantas rasteiras que inundam o chão. A cal, branca, ténue da vida trá-los até mim. Tenho-lhes o sabor intenso, não o amargo e hostil, o sabor forte da realidade como um girassol num dia solarengo. Tenho-lhes aquela força que vem no corpo de um homem guerreiro e de uma mulher que sonha. Tenho-lhes tudo sem sugar nada do seu ventre. Tenho-lhes o sorriso contemplado como um quadro a tintas desterradas e que mancham o chão do atelier. Tenho-lhes a virtude e a presença de espírito. A chuva que cai miudinhas e sorri por entre os vidros apaixonados e o calor que queima o corpo quando não aguenta a temperatura. Tenho-lhes a fé de que são meus, seja em que livro for.