dezembro 21, 2015

A Sara ensinou-me que ser mulher é mais que ter um corpo. É saber poetizá-lo em frente a um homem, e dizer que somos, existimos com respeito.
Com sorte estaria nos braços dele com um pouco de altivez e mais confiança porque a Sara me oferecera palavras sábias.

dezembro 12, 2015

De cada vez que vamos àquele maldito terraço desejo que se faça escuro. Obrigas-me a escrever, com esses olhos cobertos por pele velha. A superfície tão funda que é o teu olhar e eu sem saber o que eles observam.
Só desejo saber o conteúdo da tua direcção. Leva-me.

novembro 26, 2015

O melhor acontece quando nos unimos.

novembro 06, 2015

Hello

Não consigo esconder que sei que os nossos caminhos já se cruzavam de antes. Agora vamos lentamente caminhar para a única coisa que venho a prever: Os nossos corpos um no outro.

novembro 03, 2015

Let it go

Gostaria de ser eu, só hoje. De expandir-me no horizonte e poder deixar de ser uma miúda nas mãos de ninguém. Gostava de ser desses teus braços, fortes, corajosos e não ter que saltar da janela para enfrentar os lobos.
Hoje queria que não houvesse separação. O teu braço a cobrir-me os ombros cheios de frio, e eu bêbada de ti.


O sono do meu cão é do tamanho das vértebras da Odalisca de Ingres.






outubro 21, 2015

outubro 15, 2015

Promisse

A superfície bem menor que o interior. Aquele que o escuro da nossa casa nos deixa desvendar. Estamos de luzes apagadas mas sentimo-nos um ao outro, sem a vela acesa. 
E como saberia bem que soubesses que és o protótipo destas experiências mentais. Vamos lutar.




outubro 14, 2015

Acho que caí ligeiramente por ti.

outubro 12, 2015

Both sides now

Fechei a cortina para não deixar o escuro entrar. É, que meu amor, há uma luz que emanamos que precisa de ficar.


outubro 09, 2015

Lose yourself

Era pesada a sombra dele sobre a sua. O olhar muito carregado que induzia tantas vezes medo, como caminhar nos trilhos escuros da floresta imaginária da vida. Ele era afinal um sucinto laivo de brava brisa fresca. Muito forte. Forte. 

outubro 08, 2015

A miúda, eu, continuava a usar as jardineiras herdadas. Umas de ganga gasta, de alguns anos 70 da sua irmã mais velha, e que poderiam ser de algum negro americano que levara muita vida em cima de si. Ela levava-as no corpo, mais magro que a ganga, despreocupada. Caminhava pela vila com 23 anos e com o corpo enfiado em ganga. Agora pousava de boina vermelha e um batom de pêssego que ajudava os lábios a não secar com o frio.
Uma miúda na cidade sobrevivia assim.



outubro 07, 2015

A minha mãe insiste em cortar-me o cabelo. Sinto-me uma criança. Ainda mais quando ele encosta cruelmente os lábios no meu pescoço no lugar onde deveriam estar os cabelos enormes que me foram destinados. Ele repara no assunto e diz que pareço uma miúda nas mãos de qualquer pessoa. Nesse momento fiquei presa, mas nele. Deixei-o educar-me com beijos e quase quebrar. Fomos depois por elevadores diferentes. 

setembro 15, 2015

setembro 04, 2015

Caminhava pelas ruas do Alto dos Moinhos quase alagadas pelo céu que pronunciava chuva. Não me detinham com o meu casaco de algodão verde musgo, e a brisa corria à temperatura ideal.
Poderia demorar horas a chegar a casa, que eu não me importaria.




setembro 03, 2015

Na viagem de comboio para casa conheci uma empregada doméstica russa que me ensinou os meandros da riqueza. Partilhámos histórias. Após vinte minutos parti.

agosto 09, 2015

Domingo.

Estar a trabalhar no escritório no Domingo à tarde tem as suas desvantagens, mas no meio do fogo sério que a televisão grita, eu ponho a tocar um Sinatra, e com uns headphones dos anos 90 me escondo do mundo. De vez em quando na caixa do correio do arquivo chegam-me fotografias das chamas para arquivar e relembro a realidade, e de volta estou com Paul Theroux, os seus mais recentes artigos sobre viagens e a secção de papelaria da Barnes and Noble.

 
 

agosto 05, 2015

Peguei na mala de pele curtida feita à mão e saí de casa com as jardineiras de 15 anos da minha irmã mais velha. Esse tivera sido um novo dia. Tinha então 23 anos.

julho 22, 2015

As ameixas da Isabel

As ameixas da Isabel são amarela, pequenas, com vestígio de arbusto e vieram - carreguei-as eu - num caixote preto da quinta. Elas vieram, ainda nascidas da árvore lá de longe, e como-as no escritório. Leio a cartas de Chatwin e percebo que somos todos nómadas. A civilização é o produto desse princípio.


julho 16, 2015

O Arquivo

Entre outras coisas o Manuel mostrou-me o site da Biblioteca do Congresso com os seus sistemas de catalogação de invejar. Apanhei a sua pasta de cabedal antiga de soslaio e imaginei-o na carteira da universidade pensando nas monarquias. Agora explicava-me a gafe cometida por um director de uma faculdade, o qual não sabia a diferença entre uma monarquia e uma república. Desejei que o tempo não passasse tão depressa aquando da minha estadia ao lado do Manuel na sua secretária que contém mundos.
Guardo sempre na memória as listas de filmes e livros recomendados na esperança de um dia, à sua semelhança, sentar-me numa poltrona e ler até ao fim da minha vida.

julho 04, 2015

O mistério de Edwin Drood

Não diria certamente que Jessica estaria no barco, mas com toda a frota que se encontrava no cais imaginei que a jovem que velejara até ao Cabo Horn estaria a descobrir mares. Era a sua vocação. Por aqui eu saboreava a temperatura do sol no meu cabelo entrançado, assim como o ritmo das gaivotas. Desiludi-me com o preço das relíquias da livraria Galileu embora me maravilhasse o facto de haver uma edição do natal de 1875 assinada pela proprietária do livro (ou proprietário) cujo apelido se assemelhava a Zingman. O livro tinha sido publicado em 1870 e narrava mistérios, recordo-me. Deixei-o lá entre os milhares de livros empilhados e desajeitados da livraria incluindo As viagens de Gulliver de Jonathan Swift e Tarzan de Burroughs. Depois segui a rota da vila, descobri um livro usado sobre um viajante de mota e dei-me por contente.Interpretei a vida dos que passavam junto à beira mar na baía, enquanto eu bronzeava os pés e via os miúdos que saltavam do pontão para a água salgada. Eram certamente americanos, corajosos, brilhantes. Muitos depois deles se seguiriam talvez atraídos pelos barcos, pelo perigo. Quanto a mim seriam as ondas, o dançar das ondas, a sua contínua repetição que não traz novidade, mas segurança.
Eu precisava de segurança.



junho 13, 2015

Excerto de 'Deep South' de Paul Theroux

Be Blessed: “Ain’t No Strangers Here”
In Tuscaloosa, Alabama, on a hot Sunday morning in early October, I sat in my car in the parking lot of a motel studying a map, trying to locate a certain church. I was not looking for more religion or to be voyeuristically stimulated by travel. I was hoping for music and uplift, sacred steel and celebration, and maybe a friend.
     I slapped the map with the back of my hand. I must have looked befuddled.
     “You lost, baby?”
     I had driven from my home in New England, a three-day road trip to another world, the warm green states of the Deep South I had longed to visit, where “the past is never dead,” so the man famously said. “It’s not even past.” Later that month, a black barber snipping my hair in Greensboro, speaking of its racial turmoil today, laughed and said to me, in a sort of paraphrase of that writer whom he’d not heard of and never read, “History is alive and well here.”
     A church in the South is the beating heart of the community, the social center, the anchor of faith, the beacon of light, the arena of music, the gathering place, offering hope, counsel, welfare, warmth, fellowship, melody, harmony, and snacks. In some churches, snake handling, foot washing, and glossolalia too, the babbling in tongues like someone spitting and gargling in a shower stall under jets of water.
     Poverty is well dressed in churches, and everyone is approachable. As a powerful and revealing cultural event, a Southern church service is on a par with a college football game or a gun show, and there are many of them. People say, “There’s a church on every corner.” That is also why, when a church is bombed — and this was the fiftieth anniversary of the bombing of the 16th Street Baptist Church in Birmingham, where four little girls were murdered — the heart is torn out of a congregation, and a community plunges into pure anguish.
     “You lost?”
     Her voice had been so soft I had not realized she’d been talking to me. It was the woman in the car beside me, a sun-faded sedan with a crushed and cracked rear bumper. She was sipping coffee from a carryout paper cup, her car door swung open for the breeze. She was in her late forties, perhaps, with blue-gray eyes, and in contrast to the poor car she was dressed beautifully in black silk with lacy sleeves, a big flower pinned to her shoulder, wearing a white hat with a veil that she lifted with the back of her hand when she raised the coffee cup to her pretty lips, leaving a puckered kiss-daub of purple lipstick on the rim.
     I said I was a stranger here.
     “Ain’t no strangers here, baby,” she said, and gave me a merry smile. The South, I was to find, was one of the few places I’d been in the world where I could use the word “merry” without sarcasm. “I’m Lucille.”
     I told her my name and where I wanted to go, the Cornerstone Full Gospel Baptist Church, on Brooksdale Drive.
     She was quick to say that it was not her church, but that she knew the one. She said the name of the pastor, Bishop Earnest Palmer, began to give me directions, and then said, “Tell you what.”
     One hand tipping her veil, she stared intently at the rim of her cup. She paused and drank the last of her coffee while I waited for another word.
     “Shoot, it’s easier for me to take you there,” she said, then used the tip of her tongue to work a fleck of foam from her upper lip. “I don’t have to meet my daughter for another hour. Just follow me, Mr. Paul.”
     I dogged the crushed rear bumper of her small car for about three miles, making unexpected turns, into and out of subdivisions of small bungalows that had been so hollowed out by a devastating tornado the previous year, they could accurately be described as fistulated and tortured. In the midst of this scoured landscape, on a suburban street, I saw the church steeple, and Lucille slowed down and pointed, and waved me on.
     As I passed her to enter the parking lot, I thanked her, and she gave me a wonderful smile, and just before she drove on she said, “Be blessed.”
     That seemed to be the theme in the Deep South: kindness, generosity, a welcome. I had found it often in my traveling life in the wider world, but I found so much more of it here that I kept going, because the good will was like an embrace. Yes, there is a haunted substratum of darkness in Southern life, and though it pulses through many interactions, it takes a long while to perceive it, and even longer to understand.
     I sometimes had long days, but encounters like the one with Lucille always lifted my spirits and sent me deeper into the South, to out-of-the-way churches like the Cornerstone Full Gospel, and to places so obscure, such flyspecks on the map, they were described in the rural way as “You gotta be going there to get there.”
     After circulating awhile in the Deep South I grew fond of the greetings, the hello of the passerby on the sidewalk, and the casual endearments, being called baby, honey, babe, buddy, dear, boss, and often, sir. I liked “What’s going on, bubba?” and “How ya’ll doin’?” The good cheer and greetings in the post office or the store. It was the reflex of some blacks to call me “Mr. Paul” after I introduced myself with my full name (“a habit from slavery” was one explanation). This was utterly unlike the North, or anywhere in the world I’d traveled. “Raging politeness,” this extreme friendliness is sometimes termed, but even if that is true, it is better than the cold stare or the averted eyes or the calculated snub I was used to in New England.
     “One’s supreme relation,” Henry James once remarked about traveling in America, “was one’s relation to one’s country.” With this in mind, after having seen the rest of the world, I had planned to take one long trip through the South in the autumn, before the presidential election of 2012, and write about it. But when that trip was over I wanted to go back, and I did so, leisurely in the winter, renewing acquaintances. That was not enough. I returned in the spring, and again in the summer, and by then I knew that the South had me, sometimes in a comforting embrace, occasionally in its frenzied and unrelenting grip.
Wendell Turley
A week or more before I’d met Lucille, past ten o’clock on a dark night, I had pulled up outside a minimart and gas station near the town of Gadsen in northeastern Alabama.
     “Kin Ah he’p you,” a man said from the window of his pickup truck. He had that tipsy querying Deep South manner of speaking that was so ponderous, fuddled beyond reason. I half expected him to plop forward drunk after he’d asked the question. But he was being friendly. Stepping out of his darkened, oddly painted pickup and gaining his footing, he swallowed a little, his lower lip drooping and damp. He finished his sentence, “In inny way?”
     I said I was looking for a place to stay.
     He held a can of beer but it was unopened. He had oyster eyes and was jowly and, though sober, looked unsteady. He ignored my appeal. I was thinking how now and then the gods of travel seem to deliver you into the hands of an apparently oversimple stereotype, which means you have to look very closely to make sure this is not the case — the comic, drawling Southerner, loving talk for its own sake.
     “Ah mo explain something to you,” he said.
     “Yes?”
     “Ah mo explain the South to you.”

maio 10, 2015

Maio

Hoje fomos em família. Pela primeira vez desfilei sem vergonha e com os braços despidos sempre vestida na blusa de renda e nas calças caqui. Quando estava na livraria dirigi-me à secção de Literatura de Viagem descobri a mais recente publicação da Quetzal de Paul Bowles sobre as suas viagens. Abri com surpresa o livro e comecei a ler o prefácio de Paul Theroux. Nada me deu mais prazer que encostar-me à prateleira de livros e cuscar as impressões de um viajante sobre outro viajante. Em vez de ser interrompida pelo jazz que tocava na loja, fui interpelada pelos meus irmãos. Adiei o sonho para mais tarde, quando houvesse silêncio e segredo só para mim.


maio 02, 2015

Os caminhos de Katmandu

Ao estudar a psicologia dos passos de Olivier e Jane apercebi-me que a juventude sempre foi mais doída, por causa das suas revoltas interiores e a incompatibilidade visceral com o mundo. Eu própria, nos meandros das minhas estações não encontro equação com o mundo, odeio as árvores e os sentimentos, e afundo-me em vazios.
Depois regresso. É música. É movimento.


abril 25, 2015

Agora mesmo

Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado 
Está gente a morrer e nós também 

Está gente a despedir-se sem saber que para 
Sempre 
Este som já passou Este gesto também 
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante 
Tu próprio te despedes de ti próprio 
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás 
Já estás diferente neste verso e vais com ele 

Os amantes agarram-se desesperadamente 
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram 
Mais do que ninguém eles sabem que estão a 
                               [despedir-se 

A Terra gira e nós também A Terra morre e nós 
Também 
Não é possível parar o turbilhão 
Há um ciclone invisível em cada instante 
Os pássaros voam sobre a própria despedida 
As folhas vão-se e nós 
Também 
Não é vento É movimento fluir do tempo amor e morte 
Agora mesmo e para todo o sempre 
Amén 

Manuel Alegre, in "Chegar Aqui" 

O Vale das Vinhas

Tudo o que sabia de Rosa passara a ser história. O chão da sua casa fora varrido, e estreava-se uma nova mulher.
Durante os anos de adolescência em Lourenço Marques, Rosa acordava pelas 4h da madrugada, pois vivia num prédio de vários andares, para assistir ao pôr-do-sol.
Preparava um chá preto e fumava em frente à janela.
Estreou a fase mais depressiva da sua vida com a ida para o colégio inglês no Cabo. Durante um verão passou as férias num lindo palacete onde vivia uma das meninas do colégio.
Mais tarde, quando casou sem anel e sem festa, foi obrigada a voltar para Portugal depois da agitação violenta do período onde deu aulas na Escola Industrial.
Voltara, quase sem nada, com dois filhos.
Hoje Rosa tem cabelos brancos e fala sussurrando. Talvez seja a paisagem tão diferente, como no Vale das Vinhas que provoca a solidão.



abril 19, 2015

Receei que essa imagem me fizesse mal, mas continuei mergulhada nela, literalmente. Enquanto hoje tomava duche, tomei-te as formas quando fechei os olhos. Ainda tento perceber por que razão essa visão de esbarrar contra ti naquele edifício, significa para mim. Ela persegue-me nos momentos da manhã onde não distingo as formas, só a ti. Mas tento evitá-la ao máximo, afinal a tua hierarquia em relação a mim, distingue-se pela superioridade, até no olhar. No andar pelos edifícios antigos e a forma como carregas os livros de género académico.
Continuarei com o sonho. Dessa forma tenho-te a ti.

abril 18, 2015

De há uns dias para cá tenho tido reminiscências de mimo-gaios. Eles cantam na verdade. Tenho-os ouvido nas imediações do meu quintal, quando de manhã me afasto da cama e perscruto o céu cheio daquelas nuvens de bandas desenhadas, nuvens tão perfeitas, como que desenhadas pelo sacrifício de um escultor. Eu, pelo contrário, sou o pintor de belas vestes que se mantém sossegado olhando a obra, de um cariz mais elevado.
Fui essa esta manhã. Ouvi o som dos pássaros, ainda sentindo os efeitos da enxaqueca do dia anterior, e sorri. Sorri não sei por que causa, talvez de saber que esse céu seria o mesmo do Wiltshire do livro de Naipaul. Sorri por desconfiar do mistério dos astros, por poder escrever sobre eles, ler sobre eles. Eu sou essa que cheia de perguntas tenta afastar o dois lados das rachas das estrelas agachando-me pelo seu interior adentro descobrindo maravilhas. Há imensas alegorias nos astros, talvez mais do que possamos imaginar.
Também existem mistérios nos homens, que por falta de materiais ou esforço permanecem intocáveis. Prefiro-os assim. Prefiro a terra aberta mas sem resposta, pois ela descansa melhor na ignorância dos astros.




abril 10, 2015

Há uma balaustrada de sonhos na biblioteca da minha faculdade. É aí que falo com a Inês. Escondo segredos em livros, muitos deles intocados (menos humanos ou respectivos sonhos?) e um dia prevejo que desapareçam.
Há repetidas vezes em planeio um futuro melhor para as estantes. Faço esquemas mentais e projecções bastantes simples, que poderiam ser adoptadas por outros, mas o mundo ignora-as. Não há prontidão para a evolução.
Espero poder continuar a semear os sonhos da Inês, pois enquanto lá terão tecto.


março 27, 2015

"The coldest winter I ever spent was a summer in San Francisco".

A Ana Paula estudou Germânicas - inglês e alemão - na Universidade Clássica de Lisboa. O seu falecido marido, o primeiro, levou-a a viajar em Marrocos, a São Francisco, à Florida e ainda à Califórnia.
Ana Paula assistiu ao casamento de Michel da Euronews com Neza, também da estação sediada em Lyon, numa estância na Turquia. Esse casamento repetiu-se em Portugal, mas esse na Turquia fora maravilho. Neza estava coberta de ouro nos braços e no peito. Ouro que ela nunca usava.
Ana Paula lembra-se de passear em Marrakech, jantar em Marrakech e de ter um guia só para si e para o falecido marido.
Citou uma frase falsamente atribuída a Mark Twain : "The coldest winter I ever spent was a summer in San Francisco", quando se recordava da humidade.
Anda sempre com o gato. Uma fera preta de olhos verdes. Talvez carregue o diabo, talvez não, mas ele anda aí em qualquer uma dessas formas.





março 15, 2015

Gnossienne nº 2

Escrevi a Eva através da ajuda de Alison do New York Times.
Sorrio ao vê-la através dos meus sonhos.



março 06, 2015

Charles Baudelaire - Um hemisfério numa cabeleira

Deixa-me respirar longamente, longamente, o aroma dos teus cabelos, neles mergulhar todo o meu rosto, como um homem sedento na água de uma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço aromático, para sacudir recordações no ar.
Se pudesses saber tudo aquilo que vejo! Tudo aquilo que eu sinto! Tudo o que ouço nos teus cabelos! A minha alma viaja por sobre o perfume como a alma dos outros homens sobre a música.
(…) No oceano da tua cabeleira avisto um porto irrompendo em cantos melancólicos, homens vigorosos de todas as nações e navios de todos os formatos recortando arquiteturas finas e complicadas num céu imenso em que preguiça o eterno calor.
Nas carícias da tua cabeleira reencontro as demoras das longas horas passadas num divã, no quarto de um belo navio, embaladas pelo rolar imperceptível do porto, entre os vasos de flores e os cântaros refrescantes. (…)
Deixa-me morder demoradamente as tuas tranças pesadas e negras.
Quando mordisco teus cabelos elásticos e rebeldes, julgo estar a mastigar recordações.

março 02, 2015

1914, Março. No canal de Suez, a bordo.

Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh'alma é doente. 
Sentir a vida convalesce e estióla 
E eu vou buscar ao ópio que consóla 
Um Oriente ao oriente do Oriente. 

Esta vida de bordo há-de matar-me. 
São dias só de febre na cabêça 
E, por mais que procure até que adoêça, 
já não encontro a móla pra adaptar-me. 

[...]

E afinal o que quero é fé, é calma, 
E não ter estas sensações confusas. 
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas — 
E basta de comédias na minh'alma! 





fevereiro 27, 2015

Ouvi tanto sobre a vida, e hoje sopraram-me a morte. 
Nunca compreendi, ou então finjo. O homem que pereceu hoje naquela linha de comboio ia atrasado. Levava a vida na pasta do trabalho, e preguiçou a dar a volta pela substância interior da estação, e foi colhido. Precipitou-se.
A minha mãe comenta comigo a Ópera e Richard Clayderman, cujo CD compraremos no Domingo.
Não compreendo a vida no meio de tanta morte.


fevereiro 22, 2015

Encontros de Domingo à tarde

Ele trazia a Concha.Uma cadela de pêlo castanho escuro e preto com um laço de metal ao pescoço.
O meu, rafeiro por natureza, correu os vales que perfazem o jardim junto dela, até que se retirou. 
Mostrou-me um sorriso. Perguntou o nome do meu cão, e depois disse que ia beber café.


fevereiro 20, 2015

Chá do México

Não te sei explicar as palavras de Sandra. Sei que lhe repeti que escreve as memórias póstumas da filha de escravos, que tiveram netos negros.
A sua convicção nos valores morais da sua terra cabia-lhe no sorriso. Talvez por falar tão banalmente das fodas, desse mais valor à vida em comunhão.
Sandra não era nenhuma hipócrita. Falava de estrangeirismos e de como atravessou os jacarés do Pantanal para perder o medo.
A sua vida dava um livro impressionista. Satie tocaria.

fevereiro 18, 2015

À memória de Ruy Belo

Provavelmente já te encontrarás à vontade
entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
tomava sempre o comboio para as férias grandes,
já terás feito amigos, sem saudades dos dias
onde passaste quase anónimo e leve
como o vento da praia e a rapariga de
*****Cambridge,
que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
*****Conde.

A morte como a sede sempre te foi próxima,
sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
mas estava, como estava o mar e a alegria
ou a chuva nos versos da tua juventude.

Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
página de um jornal trazido pelo vento,
nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
jornal onde em primeira página também vinha
a promoção de um militar a general,
ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma como os galos de Barcelos,
igualmente bravos, igualmente inúteis,
passeando de cu melancólico pelas ruas
a saudade e a sífilis do império,
e tão inimigos todos daquela festa
que em ti, em mim, e nas dunas principia.

Consola-me ao menos a ideia de te haverem
deixado em paz na morte; ninguém na
*****assembleia
da república fingiu que te lera os versos,
ninguém, cheio de piedade por si próprio,
propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
qualquer coisa assim para estrumar os campos.
Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
foste sempre discreto (até mesmo na morte),
não mandaste à merda o país, nem nenhum
*****ministro,
não chateaste ninguém, nem sequer a tua
*****lavadeira,
e foste a enterrar numa aldeia que não sei
onde fica, mas seja onde for será a tua.

Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
que começaste a fazer corpo com a terra
a única evidência é crescer para o sol.
(Eugénio de Andrade) *1978 

*

fevereiro 16, 2015

Primavera

Esta foi uma das deambulações onde planeámos a nossa viagem aos lugares da Europa. 
O choque tinha acontecido no gabinete da Universidade, onde por meros segundos me agarrei ao armário de metal não querendo acreditar na verdade que acabara de descobrir. 
Envolvia um quadro, uma origem. Vejam como tudo pode acontecer sem esperarmos.
Nesse momento já eu precisava de uma bebida, e ordenei um Porto. Ele bebeu uma espécie de álcool totalmente diferente dos Cosmos que as mulheres americanas adoram quando saem com as amigas.
Na conversa envolvida pela atmosfera do bar do restaurante, desenvolvemos duas conclusões.
Nunca mais falaríamos do assunto, ou viajaríamos até à sua criação.
A segunda soava mais tentadora para mim, atrevo-me a dizer aos dois.
Não lhe confessei que quando se virou para mim no escritório permitindo uma curta distância entre nós, eu hesitei. A proximidade intimidava-me incitando-me ao contrário. Eu não queria sair dali. Poderíamos ficar horas a discutir o assunto dentro do constrangimento de paredes rodeadas de almas curiosas. O mundo académico é traiçoeira, por isso dirigimo-nos ao bar.
Acho que a decisão foi unânime. Sorrimos um para o outro, tal como sorrimos com sedução no jardim Húngaro uns meses mais tarde.
Entre esse procedimento emocional, ainda assistiria eu à defesa da sua tese de Doutoramento, depois falaríamos longe dos olhares até ao dia em que embarcássemos no avião. Aí eu estava nervosa.
Ninguém sabia o que para ali estávamos a ir. Fomos em segredo. Um segredo considerável.
A última coisa que me lembro envolve esse parque primaveril onde todos os outros falavam uma língua diferente da nossa, até a gestual.
Tínhamos falado com curadores de museus, e até jantado algumas vezes sob presenças importantes do mundo académico. Essas eram as obrigações que todas as pesquisas envolvem.
Por fim estávamos ali cobertos de sopro leve de vento. O sol não se agitava. Permanecia sempre no mesmo sitio passando entre as faixas do meu cabelo curto que tapavam metade do meu rosto, metade do meu sorriso.
Ele sorriu também concordando em silêncio que poderíamos fazer amor. Aquela seria a primeira vez, a mais violenta.
O seu corpo era tão desconhecido até esse dia. Até essa noite apenas conhecia as formas tapadas de camisas e fatos formais destinados a causar a impressão que desejávamos nos sítios por onde passámos.
Depois de nos termos dentro um do outro, tudo passou a ter um significado diferente, já não quis outro cheiro.
Já não sabia em que mundo pertencia.



fevereiro 15, 2015

fevereiro 13, 2015

Graça e eu estaríamos na biblioteca do Instituto de Medicina Legal estudando Literatura entre frascos e cadáveres tristes.
Triste e sólido o nosso Fado.

janeiro 31, 2015

imitando Baudelaire

Tive um jardim em Espanha. 




janeiro 25, 2015

Irmãs de Sangue

Os melhores amigos são os de África.
Jessica com o seu riso eufórico, e todas as desinibições que o resto do grupo carrega.Adoro-os. A sua especial atenção para a gargalhada. As irmãs segurando as lanternas no escuro do mato, prevenindo-se das cobras.
Todo o continente traz essa aventura que eu sempre desejara. É por isso que os preservo. Para sempre, no meu coração.


janeiro 20, 2015

Pablo Neruda: Amantes

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.

Meu pai faz anos





janeiro 16, 2015

Clandestinos do amor

O lugar parecia clandestino. Uma ucraniana de vestido bordeaux e botas de cano alto passeava-se pela cave escura, e ria às gargalhadas com o rapaz e a amiga. Eu não percebera o dialecto, mas algo naquela poeira de fumo e a distracção de todos pelos telefones me cativou.
"Enquanto olhares para mim eu sou eterna", gritou o rádio. Não havia inverno nessa noite. Apenas caras que não se conheciam num andar de baixo.
Somos clandestinos do amor
Odeio o estado do mundo. Há uma corrente de chuva que escorre pela plataforma da estação do cais, e tudo sofre.
Há um raio de luz que espreita do tecto e depois a humidade dos pensamentos.
Odeio o estado do mundo. E não posso fazer nada contra isso.

janeiro 14, 2015

waiting game

Paris é para mim uma vaga recordação. Já estive nela. Escrevi sobre ela. Reportei de um computador de Hotel sobre ela, a pessoas mais chegada. Mas nesse tempo longínquo não amava Paris.
Tenho para mim, que tudo o que enfrentei com esses quinze anos que tinha, não tem qualquer significado para mim. Nunca mais poderei ser a mesma pessoa. Não saberei sorrir da mesma forma para as fotografias.
Paris é para mim agora uma vontade. Ela é um desejo que guardo no bolso. Uma sedução. Uma selva de utopias.
Talvez volte, para outra aventura, já dez anos depois. As estrelas estarão à distância do toque.



janeiro 13, 2015

Ilan Eshkeri

Corri desenfreadamente para a multidão de chuva que estava à minha frente. Deixei para traz a confusão dos transportes e dirigi-me a casa. Não sei porque tal, mas senti vagar. Chorei porque o vento cortante e a ondulação da chuva, insistindo em magoar-me a cara, quebravam o espírito.
Não preciso da falta de amor, para definhar. É o tempo, esse elemento tão hipócrita que odeio. Não odeio o cheiro da humidade, mas sim o dos teus olhos. Minto, a cor de prado sem fim que eles emitem. 
Odeio o gesto fácil que é segurares-me na cintura para me sentir mais firme. A certeza, a que odeio, é de invejar o mundo, que te alberga mais que eu.
Só te tenho por umas horas, e odeio.
Quando regressares, estará escuro.



janeiro 10, 2015

A tua boca seria um império, se pudesse provar a conquista que é tocar-te. Não da forma mais banal que encontro neles, tão distantes entre si. Da forma que me faz arranhar os ouvidos à chegada quando suspeito da tua presença. Do modo maquiavélico que é o teu sorriso. Enrubesço só de te imaginar despido de ilusões, tão saber da realidade.
Tu és também poesia, Talvez a que tem forma de prosa. Porque assim ao escrever lembro-me de ti, e as palavras trazem-me sentimentos.
Acho que te sinto para lá das estrelas.

janeiro 09, 2015

janeiro 08, 2015

Thesaurus

Com a consequência do tempo estar agradável envolvi-me de novo na selva paradisíaca da Fundação de Calouste. Os jardins mantinham a pose exuberante de uma natureza que em tudo não é selvagem. Estes não eram jardins malauianos ou amazónicos, mas sim um recanto que sofria todos os dias manutenção, mas eu reconhecia-o como um milagre no meio da civilização.
A questão da paisagem que se tinha discutido voltava agora com força. Esta era uma localidade que falava mais alto que o homem, embora muda. Os animais e as plantas, e a presença humana que invariavelmente invadia o espaço, contribuíam para a criação de uma paisagem cultural. Aqui não havia discriminação de idade e forma. As árvores aceitavam o meu dorso para eu descansar. Fechar os olhos e dormir a sesta. Quem não sentiria essa sensação de poder e liberdade, se lhe fosse entregue esse privilégio?
Paul Theroux continua sempre a ter razão. A viagem e a caminhada sem pressa constituem um dos melhores elementos da vida humana. Dizendo isto é admitir que o homem será sempre um procurador, em busca de qualquer coisa, que nem precisa de ter nome.
Essa pode ser uma palavra, um estímulo ou uma sensação. Para quê nomear se podemos sentir?