abril 25, 2015

Agora mesmo

Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado 
Está gente a morrer e nós também 

Está gente a despedir-se sem saber que para 
Sempre 
Este som já passou Este gesto também 
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante 
Tu próprio te despedes de ti próprio 
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás 
Já estás diferente neste verso e vais com ele 

Os amantes agarram-se desesperadamente 
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram 
Mais do que ninguém eles sabem que estão a 
                               [despedir-se 

A Terra gira e nós também A Terra morre e nós 
Também 
Não é possível parar o turbilhão 
Há um ciclone invisível em cada instante 
Os pássaros voam sobre a própria despedida 
As folhas vão-se e nós 
Também 
Não é vento É movimento fluir do tempo amor e morte 
Agora mesmo e para todo o sempre 
Amén 

Manuel Alegre, in "Chegar Aqui" 

O Vale das Vinhas

Tudo o que sabia de Rosa passara a ser história. O chão da sua casa fora varrido, e estreava-se uma nova mulher.
Durante os anos de adolescência em Lourenço Marques, Rosa acordava pelas 4h da madrugada, pois vivia num prédio de vários andares, para assistir ao pôr-do-sol.
Preparava um chá preto e fumava em frente à janela.
Estreou a fase mais depressiva da sua vida com a ida para o colégio inglês no Cabo. Durante um verão passou as férias num lindo palacete onde vivia uma das meninas do colégio.
Mais tarde, quando casou sem anel e sem festa, foi obrigada a voltar para Portugal depois da agitação violenta do período onde deu aulas na Escola Industrial.
Voltara, quase sem nada, com dois filhos.
Hoje Rosa tem cabelos brancos e fala sussurrando. Talvez seja a paisagem tão diferente, como no Vale das Vinhas que provoca a solidão.



abril 19, 2015

Receei que essa imagem me fizesse mal, mas continuei mergulhada nela, literalmente. Enquanto hoje tomava duche, tomei-te as formas quando fechei os olhos. Ainda tento perceber por que razão essa visão de esbarrar contra ti naquele edifício, significa para mim. Ela persegue-me nos momentos da manhã onde não distingo as formas, só a ti. Mas tento evitá-la ao máximo, afinal a tua hierarquia em relação a mim, distingue-se pela superioridade, até no olhar. No andar pelos edifícios antigos e a forma como carregas os livros de género académico.
Continuarei com o sonho. Dessa forma tenho-te a ti.

abril 18, 2015

De há uns dias para cá tenho tido reminiscências de mimo-gaios. Eles cantam na verdade. Tenho-os ouvido nas imediações do meu quintal, quando de manhã me afasto da cama e perscruto o céu cheio daquelas nuvens de bandas desenhadas, nuvens tão perfeitas, como que desenhadas pelo sacrifício de um escultor. Eu, pelo contrário, sou o pintor de belas vestes que se mantém sossegado olhando a obra, de um cariz mais elevado.
Fui essa esta manhã. Ouvi o som dos pássaros, ainda sentindo os efeitos da enxaqueca do dia anterior, e sorri. Sorri não sei por que causa, talvez de saber que esse céu seria o mesmo do Wiltshire do livro de Naipaul. Sorri por desconfiar do mistério dos astros, por poder escrever sobre eles, ler sobre eles. Eu sou essa que cheia de perguntas tenta afastar o dois lados das rachas das estrelas agachando-me pelo seu interior adentro descobrindo maravilhas. Há imensas alegorias nos astros, talvez mais do que possamos imaginar.
Também existem mistérios nos homens, que por falta de materiais ou esforço permanecem intocáveis. Prefiro-os assim. Prefiro a terra aberta mas sem resposta, pois ela descansa melhor na ignorância dos astros.




abril 10, 2015

Há uma balaustrada de sonhos na biblioteca da minha faculdade. É aí que falo com a Inês. Escondo segredos em livros, muitos deles intocados (menos humanos ou respectivos sonhos?) e um dia prevejo que desapareçam.
Há repetidas vezes em planeio um futuro melhor para as estantes. Faço esquemas mentais e projecções bastantes simples, que poderiam ser adoptadas por outros, mas o mundo ignora-as. Não há prontidão para a evolução.
Espero poder continuar a semear os sonhos da Inês, pois enquanto lá terão tecto.