janeiro 23, 2010

Guerra das Palavras


Ontem comprei uma cama nova. Uma cama moderna, larga,espessa. Confortável. Quando se compra uma cama, sentimo-nos pequenos espaços vazios entre os átomos, porque nada significa para nós. Apenas uma pequena renovação no visual da nossa divisão. Uma acção arrogante.
Quando atravessava a montra da loja deparei-me com um pequeno monte de árvores de jardim, cujo olhar sofria na solidão, à espera de um pouco de terra onde pudessem crescer e ser flores selvagens gigantes. Elas podiam pertencer a Pandora, a um Planeta Verde, a um espaço entre duas rochas firmes na Patagónia onde fazem expedições para cientistas. Madagáscar podia dar-lhes um lar no meio dos picos afiados que guardam um escuro intenso entre si, onde habitam proezas da Natureza que meio milhão de pessoas desconhece.
Infelizmente elas não se mexem e eu senti culpa ao rectificar que me enganara no tamanho da cama nova e fizera o possível e o impossível para acudir este pequeno peso no cérebro.
A escrita está assim também. Apagada. O planeta está assim também. Esquecido. Entre amigos que acreditam que é possível reverter o processo de destruição planetária, onde proezas fotografadas pelo Hubble desaparecerão e patrimónios nacionais envelhecerão à velocidade das serras, e entre outros que dariam tudo para renovar votos de alguém que combateu o comunismo e pediu as sinceras desculpas pelos erros da Igreja, eu estou encurralada no meio, e temo pelo poder que a escrita deixou em mim. Shakespeare largaria o amor e o pincel amargurado, irritado com a hipocrisia que demanda no poder da criação de um lugar remoto. Na defesa de um país livre, de uma oportunidade de olharmos a preto e branco. De estarmos às escuras e preferirmos a escuridão iluminada da cegueira à escuridão demasiado negra do mundo que nos mata por dentro como veneno entontecedor. Porque eu quero ler e já não tenho tempo. A pressa rouba-me o tempo. A maldita pressa tornou tudo mais pequeno, até o gosto de gostar, a motivação para tentar. O passado que partiu no barco de remo levou pequenas fortunas que podiam fazer de nós pessoas com tempo para amar a poesia nova. Sim, porque poesia é bom. Convençam-se disso. A poesia é boa e é simples. Apenas a complexidade do que existe nasceu das cinzas de um grifo espiritual que morreu antigamente. É delicioso, porque podia fazer-nos defensores de uma legião em tons de prateado como nos novos elétricos de Lisboa. Eles promovem a mudança, porque não a poesia? O bailado? Bailado novo, fresco, sem esforço porque se vai esforçando.
A pressa rouba-nos o tempo e deixou que aquelas árvores fossem abandonadas numa montra de uma loja e não no lugar certo, no lugar quente e húmido que lhes traria a paz da vida. Esta é a revolta que me atinge no meio desta incessa guerra. A aurora desvaneia-se e chama-me ignorante quando tento falar. É a verdade. Não me consigo mexer mexendo a mente. A parte adormecida caiu no sono mais profundo e a outra tomou comprimidos para desligar o sistema.
Foi abaixo e reiniciar está nas mãos dos jardineiros que deviam pegar nas pás e plantar aquelas árvores à espera de um lugar ao Sol. Se eles não se levantarem o mundo irá crepitar de frio no meio de bocas de fogo vermelho intenso, onde os ossos partem, a pele queima e a garganta fica gasta, porque as palavras emigraram para o vazio.

1 comentário:

  1. Não entendo como só hoje tive a fortuna de encontrar este recanto que já existe há tanto...
    Vestido de tantas paixões (Como "Amélie", por exemplo) e torvelinhos tão familiares.
    Agradeço-te as dezenas de bons minutos que me proporcionaste ao ler-te.

    Beijo Mariana e parabéns pelo dom da escrita que me hipnotiza por cá.

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