fevereiro 02, 2013

atrapalhado chegou Pessoa ao Chiado




O amor atrapalha-nos as circunstâncias. Deve ter sido o Pessoa mesmo ali em baixo que me distraiu com o fado da Ana Moura. Acho esta ideia de tocarem fado numa livraria deliciosa e catastrófica. É triste como às vezes os portugueses se esquecem de quem canta no pano de fundo. Mas vou continuar.
Nós, os escritores, temos esta predilecção por esta agonia saudável de estarmos no mundo, e nós da Lusitânia somos especiais; personalizados. Acabei de te ver ali ao fundo com a mochila no ombro e o casaco. Olhaste para a sala, deste duas ou três palavras com o homem e sumiste. Eu vim aqui sem saber bem o que venho fazer. Trouxe um canudo com letras na mala e estou meio tonta da viagem de comboio. Entregaste-te ao encanto da barba e das camisas sem poros, a meio que desajeitadas. Mas não me importo. Hoje há poesia aqui no Chiado e já vi que o Pessoa está acordado.
Se calhar ninguém sabe, mas isto hoje parece vazio e triste. Não, não é por tua causa. Esqueceram-se, acontece. Também me acontece durante a noite não querer fechar os olhos porque as estrelas chamam por mim, mas hoje isto está triste.
Esta melancolia que nos é comum está a comer as paredes do café e as vozes diminuem.
Hoje na Sábado vinham tragédias atrás de tragédias. Portugal sumiu-se nos relatos dele mesmo. Portugal desapareceu. Não o viste por aí? Não o viste circular com fome e frio numa rua destas por aqui?
Estou farta de perguntar e ninguém sabe. E tu hoje tens a barba um pouco crescida e vais dar-nos poesias que agora se compra. Agora tudo se compra, até tu te vendes já reparaste?
Enfim, as paredes estão tristes e não há nada que possamos fazer. Fazes parte do meu presente e nem sequer te conheço. Só a voz. Só temos de tu aquilo que precisamos de ouvir de Portugal. Temos de ti esse bocado leve e medonho de carne de Portugal que se perdeu porque o deixámos perder. Eu perdi Portugal! Tu perdeste Portugal, nós perdemos Portugal.
Mas hoje estou aliviada. As paredes estão tristes mas o Chiado tem pernas para andar.

Até já.

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