Ouvi tanto sobre a vida, e hoje sopraram-me a morte.
Nunca compreendi, ou então finjo. O homem que pereceu hoje naquela linha de comboio ia atrasado. Levava a vida na pasta do trabalho, e preguiçou a dar a volta pela substância interior da estação, e foi colhido. Precipitou-se.
A minha mãe comenta comigo a Ópera e Richard Clayderman, cujo CD compraremos no Domingo.
Não compreendo a vida no meio de tanta morte.
fevereiro 27, 2015
fevereiro 22, 2015
Encontros de Domingo à tarde
Ele trazia a Concha.Uma cadela de pêlo castanho escuro e preto com um laço de metal ao pescoço.
O meu, rafeiro por natureza, correu os vales que perfazem o jardim junto dela, até que se retirou.
Mostrou-me um sorriso. Perguntou o nome do meu cão, e depois disse que ia beber café.
O meu, rafeiro por natureza, correu os vales que perfazem o jardim junto dela, até que se retirou.
Mostrou-me um sorriso. Perguntou o nome do meu cão, e depois disse que ia beber café.
fevereiro 20, 2015
Chá do México
Não te sei explicar as palavras de Sandra. Sei que lhe repeti que escreve as memórias póstumas da filha de escravos, que tiveram netos negros.
A sua convicção nos valores morais da sua terra cabia-lhe no sorriso. Talvez por falar tão banalmente das fodas, desse mais valor à vida em comunhão.
Sandra não era nenhuma hipócrita. Falava de estrangeirismos e de como atravessou os jacarés do Pantanal para perder o medo.
A sua vida dava um livro impressionista. Satie tocaria.
A sua convicção nos valores morais da sua terra cabia-lhe no sorriso. Talvez por falar tão banalmente das fodas, desse mais valor à vida em comunhão.
Sandra não era nenhuma hipócrita. Falava de estrangeirismos e de como atravessou os jacarés do Pantanal para perder o medo.
A sua vida dava um livro impressionista. Satie tocaria.
fevereiro 18, 2015
À memória de Ruy Belo
Provavelmente já te encontrarás à vontade
entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
tomava sempre o comboio para as férias grandes,
já terás feito amigos, sem saudades dos dias
onde passaste quase anónimo e leve
como o vento da praia e a rapariga de
*****Cambridge,
que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
*****Conde.
A morte como a sede sempre te foi próxima,
sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
mas estava, como estava o mar e a alegria
ou a chuva nos versos da tua juventude.
Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
página de um jornal trazido pelo vento,
nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
jornal onde em primeira página também vinha
a promoção de um militar a general,
ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma como os galos de Barcelos,
igualmente bravos, igualmente inúteis,
passeando de cu melancólico pelas ruas
a saudade e a sífilis do império,
e tão inimigos todos daquela festa
que em ti, em mim, e nas dunas principia.
Consola-me ao menos a ideia de te haverem
deixado em paz na morte; ninguém na
*****assembleia
da república fingiu que te lera os versos,
ninguém, cheio de piedade por si próprio,
propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
qualquer coisa assim para estrumar os campos.
Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
foste sempre discreto (até mesmo na morte),
não mandaste à merda o país, nem nenhum
*****ministro,
não chateaste ninguém, nem sequer a tua
*****lavadeira,
e foste a enterrar numa aldeia que não sei
onde fica, mas seja onde for será a tua.
Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
que começaste a fazer corpo com a terra
a única evidência é crescer para o sol.(Eugénio de Andrade) *1978
entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
tomava sempre o comboio para as férias grandes,
já terás feito amigos, sem saudades dos dias
onde passaste quase anónimo e leve
como o vento da praia e a rapariga de
*****Cambridge,
que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
*****Conde.
A morte como a sede sempre te foi próxima,
sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
mas estava, como estava o mar e a alegria
ou a chuva nos versos da tua juventude.
Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
página de um jornal trazido pelo vento,
nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
jornal onde em primeira página também vinha
a promoção de um militar a general,
ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma como os galos de Barcelos,
igualmente bravos, igualmente inúteis,
passeando de cu melancólico pelas ruas
a saudade e a sífilis do império,
e tão inimigos todos daquela festa
que em ti, em mim, e nas dunas principia.
Consola-me ao menos a ideia de te haverem
deixado em paz na morte; ninguém na
*****assembleia
da república fingiu que te lera os versos,
ninguém, cheio de piedade por si próprio,
propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
qualquer coisa assim para estrumar os campos.
Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
foste sempre discreto (até mesmo na morte),
não mandaste à merda o país, nem nenhum
*****ministro,
não chateaste ninguém, nem sequer a tua
*****lavadeira,
e foste a enterrar numa aldeia que não sei
onde fica, mas seja onde for será a tua.
Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
que começaste a fazer corpo com a terra
a única evidência é crescer para o sol.(Eugénio de Andrade) *1978
*
fevereiro 16, 2015
Primavera
Esta foi uma das deambulações onde planeámos a nossa viagem aos lugares da Europa.
O choque tinha acontecido no gabinete da Universidade, onde por meros segundos me agarrei ao armário de metal não querendo acreditar na verdade que acabara de descobrir.
Envolvia um quadro, uma origem. Vejam como tudo pode acontecer sem esperarmos.
Nesse momento já eu precisava de uma bebida, e ordenei um Porto. Ele bebeu uma espécie de álcool totalmente diferente dos Cosmos que as mulheres americanas adoram quando saem com as amigas.
Na conversa envolvida pela atmosfera do bar do restaurante, desenvolvemos duas conclusões.
Nunca mais falaríamos do assunto, ou viajaríamos até à sua criação.
A segunda soava mais tentadora para mim, atrevo-me a dizer aos dois.
Não lhe confessei que quando se virou para mim no escritório permitindo uma curta distância entre nós, eu hesitei. A proximidade intimidava-me incitando-me ao contrário. Eu não queria sair dali. Poderíamos ficar horas a discutir o assunto dentro do constrangimento de paredes rodeadas de almas curiosas. O mundo académico é traiçoeira, por isso dirigimo-nos ao bar.
Acho que a decisão foi unânime. Sorrimos um para o outro, tal como sorrimos com sedução no jardim Húngaro uns meses mais tarde.
Entre esse procedimento emocional, ainda assistiria eu à defesa da sua tese de Doutoramento, depois falaríamos longe dos olhares até ao dia em que embarcássemos no avião. Aí eu estava nervosa.
Ninguém sabia o que para ali estávamos a ir. Fomos em segredo. Um segredo considerável.
A última coisa que me lembro envolve esse parque primaveril onde todos os outros falavam uma língua diferente da nossa, até a gestual.
Tínhamos falado com curadores de museus, e até jantado algumas vezes sob presenças importantes do mundo académico. Essas eram as obrigações que todas as pesquisas envolvem.
Por fim estávamos ali cobertos de sopro leve de vento. O sol não se agitava. Permanecia sempre no mesmo sitio passando entre as faixas do meu cabelo curto que tapavam metade do meu rosto, metade do meu sorriso.
Ele sorriu também concordando em silêncio que poderíamos fazer amor. Aquela seria a primeira vez, a mais violenta.
O seu corpo era tão desconhecido até esse dia. Até essa noite apenas conhecia as formas tapadas de camisas e fatos formais destinados a causar a impressão que desejávamos nos sítios por onde passámos.
Depois de nos termos dentro um do outro, tudo passou a ter um significado diferente, já não quis outro cheiro.
Já não sabia em que mundo pertencia.
O choque tinha acontecido no gabinete da Universidade, onde por meros segundos me agarrei ao armário de metal não querendo acreditar na verdade que acabara de descobrir.
Envolvia um quadro, uma origem. Vejam como tudo pode acontecer sem esperarmos.
Nesse momento já eu precisava de uma bebida, e ordenei um Porto. Ele bebeu uma espécie de álcool totalmente diferente dos Cosmos que as mulheres americanas adoram quando saem com as amigas.
Na conversa envolvida pela atmosfera do bar do restaurante, desenvolvemos duas conclusões.
Nunca mais falaríamos do assunto, ou viajaríamos até à sua criação.
A segunda soava mais tentadora para mim, atrevo-me a dizer aos dois.
Não lhe confessei que quando se virou para mim no escritório permitindo uma curta distância entre nós, eu hesitei. A proximidade intimidava-me incitando-me ao contrário. Eu não queria sair dali. Poderíamos ficar horas a discutir o assunto dentro do constrangimento de paredes rodeadas de almas curiosas. O mundo académico é traiçoeira, por isso dirigimo-nos ao bar.
Acho que a decisão foi unânime. Sorrimos um para o outro, tal como sorrimos com sedução no jardim Húngaro uns meses mais tarde.
Entre esse procedimento emocional, ainda assistiria eu à defesa da sua tese de Doutoramento, depois falaríamos longe dos olhares até ao dia em que embarcássemos no avião. Aí eu estava nervosa.
Ninguém sabia o que para ali estávamos a ir. Fomos em segredo. Um segredo considerável.
A última coisa que me lembro envolve esse parque primaveril onde todos os outros falavam uma língua diferente da nossa, até a gestual.
Tínhamos falado com curadores de museus, e até jantado algumas vezes sob presenças importantes do mundo académico. Essas eram as obrigações que todas as pesquisas envolvem.
Por fim estávamos ali cobertos de sopro leve de vento. O sol não se agitava. Permanecia sempre no mesmo sitio passando entre as faixas do meu cabelo curto que tapavam metade do meu rosto, metade do meu sorriso.
Ele sorriu também concordando em silêncio que poderíamos fazer amor. Aquela seria a primeira vez, a mais violenta.
O seu corpo era tão desconhecido até esse dia. Até essa noite apenas conhecia as formas tapadas de camisas e fatos formais destinados a causar a impressão que desejávamos nos sítios por onde passámos.
Depois de nos termos dentro um do outro, tudo passou a ter um significado diferente, já não quis outro cheiro.
Já não sabia em que mundo pertencia.
fevereiro 15, 2015
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