fevereiro 28, 2013
Quando leio na Rua Trópico de Câncer histórias sobre Istambul,dá-me náuseas. Vomito as palavras todas do calor que está fora do expresso que toma lugar na narrativa. E depois?
Depois coloco o vestido branco, a pedra azul e castanha fria no pescoço, calço as sandálias, a mala rota e caminho. Caminho em direcção à praia.
O Brasil tira-me a doença.
Depois coloco o vestido branco, a pedra azul e castanha fria no pescoço, calço as sandálias, a mala rota e caminho. Caminho em direcção à praia.
O Brasil tira-me a doença.
fevereiro 27, 2013
o 1º andar é nosso
Um dia disse-lhe que fazer amor contigo é uma metáfora que descreve o fogo-de-artifício.
Não lhe menti.
Não lhe menti.
uma porta azul em Lisboa
Tenho-o na carne. E se casasse com ele ficava o nosso amor com Deus e no registo, e havíamos de fazer muita coisa juntos.
Deus escreve lá em cima e a gente cá em baixo passa a limpo. Editamos a nossa própria história.
E a verdadeira angústia é não saber. Ter que arriscar para o desvendar, senão isso mata-nos.
fevereiro 26, 2013
o nocturno para..
apartamento
primeiro andar
Av. Miguel Bombarda
sol a bater nas janelas
restos de nós pela casa
o estranho e o pó
somos felizes António?
quando se começa o bazar
Às 10h da manhã olhei para o lado e encontrei a Rita Lello no canto do salão Versailles. Lia um livro. Os actores e os poetas cingem-se a essa canção. São heróis condenados.
fevereiro 25, 2013
"mas essa é feiticeira e sabe como fazer arder-me por dentro do estômago"
Podíamos ser poleiros ao sol. Arrendar apartamentos e esconder os nossos sentimentos lá. Sermos loucos que se escondem debaixo da cama e vivermos sós, um com o outro.
fevereiro 24, 2013
no dia em que fui a Peniche havia Sol
Logo à noite vou tirar do armário um vestido que nunca experimentei. Vou ver uma rapariga soprar as velas do aniversário e fingir que sou mulher. Trança. Batom nos lábios. Olhar indiferente. Fingir que estou na sala enquanto penso noutro lugar. Vou-te manter à distância para ferver de emoção e trair a emoção.
Vou-te amar sem saber e tu, noutro lugar qualquer.
Vou-te amar sem saber e tu, noutro lugar qualquer.
fevereiro 23, 2013
sentences
Os poetas não têm legiões de fãs.hás-de ser sempre o motivo da minha literatura. Fazer amor contigo é uma metáfora para o fogo-de-artifício. Morremos e voamos daqui para fora. Serás sempre o amor da minha vida. Serás sempre essa visão de Outono triste, e olhos de árvore.
quando Fevereiro acabar
E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder.
Zeca Afonso
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder.
Zeca Afonso
fevereiro 22, 2013
a mãe está a fazer espetadas para o jantar
Agora ponho-me com listas. Há dias em que o metropolitano não dá dores de cabeça.
sociedades secretas
hoje acabei aquilo dos Pássaros. Lembrei-me de que forma gostaria de morrer e voltar. Nunca coloquei hipótese de não voltar por ti. E por isso é que hoje dão trovoada e chuva durante a noite. Durante esses tempos esquisitos onde vou pisar a estrada na direcção da estação. E lá te espero. E quando vieres beijo-te a face- Sorrio.
Serei feliz.
Serei feliz.
fevereiro 21, 2013
vem
Não chove onde se lêem livros sobre pássaros. Onde as cadeiras são de madeira antiga. Onde o sol, ainda que quebrando, se envolve nos nossos ombros dentro do restaurante francês. Não chove onde o amor nos envolve as entranhas e nos deixa mal-dispostos. Naquele sítio onde o velho, de bengala e casaco caqui, lanchava uma torrada e uma meia de leite.
Lá os séculos duram, mais que a existência da chuva.
Lá os séculos duram, mais que a existência da chuva.
fevereiro 20, 2013
os cabelos ficaram vermelhos
hoje vi a rapariga da máquina de filmar.Ali no meio daquela confusão toda do metropolitano. No seio da turbilhão. E ela estava igual. Uma esponja de amor. O rosto atento. A mochila com o instrumento. As pernas finas. A cintura normal. E depois da corrida desenfreada, desapareceu.
Foi a primeira vez que a vi, depois do porto do outro lado do ecrã.
Foi a primeira vez que a vi, depois do porto do outro lado do ecrã.
~Claridade
O nº 17 de porta azul era uma oficina de automóveis.
Disseram-me que o dono se chamava Ferro, e a mulher desconfio que seria Adelaide.
Não tem flores como a jarra que tenho no quarto. Está escuro do pó e as janelas partidas. O portão fechado. As paredes divorciadas. O terreno abandonado.
Eu não sei quem o perdeu. Quem largou o nº 17 naquelas condições, mas posso lembrar-me com exactidão, se fechar bem os olhos, de uma Primavera em 1920 naquela oficina.
Nessa altura ainda os carros não apareciam por lá. Estimavam-se as lãs naquelas máquinas e os candeeiros velhinhos ainda eram solteiros na altura que a Adelaide usava vestidos.
Conheceu o Ferro durante a noite quando ainda não havia perigo. Conheceu-o, a esse marido, quando isto tudo não era nada.
Quando a terra ainda nos queria dar alguma coisa, como o vinho. Adelaide fazia amor repetidamente nas colchas então casadas com o marido e depois casaram-se.
Hoje o nº 17 de portão azul é um vazio. Está à berma da estrada e chora.
O nº 17 morreu. Amanhã sonho ir lá e ser capaz de o assaltar.
Talvez pinta as paredes, devolvo uns candeeiros e lá deixo a história da Adelaide com o Ferro.
Quando abrir portas, haverá lã para todos. Camas para todos, e o 17 já não vai chorar. Duas mãos de tinta e um portão azul novo.
Disseram-me que o dono se chamava Ferro, e a mulher desconfio que seria Adelaide.
Não tem flores como a jarra que tenho no quarto. Está escuro do pó e as janelas partidas. O portão fechado. As paredes divorciadas. O terreno abandonado.
Eu não sei quem o perdeu. Quem largou o nº 17 naquelas condições, mas posso lembrar-me com exactidão, se fechar bem os olhos, de uma Primavera em 1920 naquela oficina.
Nessa altura ainda os carros não apareciam por lá. Estimavam-se as lãs naquelas máquinas e os candeeiros velhinhos ainda eram solteiros na altura que a Adelaide usava vestidos.
Conheceu o Ferro durante a noite quando ainda não havia perigo. Conheceu-o, a esse marido, quando isto tudo não era nada.
Quando a terra ainda nos queria dar alguma coisa, como o vinho. Adelaide fazia amor repetidamente nas colchas então casadas com o marido e depois casaram-se.
Hoje o nº 17 de portão azul é um vazio. Está à berma da estrada e chora.
O nº 17 morreu. Amanhã sonho ir lá e ser capaz de o assaltar.
Talvez pinta as paredes, devolvo uns candeeiros e lá deixo a história da Adelaide com o Ferro.
Quando abrir portas, haverá lã para todos. Camas para todos, e o 17 já não vai chorar. Duas mãos de tinta e um portão azul novo.
fevereiro 19, 2013
a boca do mar come as rochas
Perdoem-me os espanhóis mais o ouro e a fé, e os americanos que se acham pacíficos, mas Portugal é brejeiro e maltratado, mas uma coisa não nos podem tirar. A saudade. Aquela puta da saudade.
fevereiro 18, 2013
ali ao fundo um farol
Não sou racista. Não consigo ser racista. A humanidade, consagra-se dentro de mim como um castelo. Tenho um amor profundo pelas histórias trágicas, e por olhos cheios de sangue. Por pessoas que já choraram o mundo todo e ainda andam. E ando loucamente apaixonada pelo meu país.
Depois vêm os outros, e tu. Vens tu de olhos de quase carvão com mel no corpo e formas irritantes. Erras tantas vezes nas palavras, mas és como os pretos, não te consigo odiar.
Tenho amor incomensurável pela humanidade. Não somos todos irmãos?
Depois vêm os outros, e tu. Vens tu de olhos de quase carvão com mel no corpo e formas irritantes. Erras tantas vezes nas palavras, mas és como os pretos, não te consigo odiar.
Tenho amor incomensurável pela humanidade. Não somos todos irmãos?
fevereiro 17, 2013
a noite passada
se as pessoas soubessem o segredo que está agora dentro de mim. Ontem quando te beijei a pele imaginei que pudéssemos ficar estendidos na cama enquanto a música toca. Essa é uma das eternidades que quero alcançar contigo. A de nos amarmos no quarto, sem interrupções. O meu corpo no teu, e a música sempre a tocar. Tinhas o mesmo cheiro, a pele agreste da barba, mas a mesma fragrância. O mesmo olhar das árvores onde eu me facilmente podia perder. Contigo podia fazer amor o dia inteiro que continuava o nosso segredo. E a música?
Ainda estaria a tocar.
Ainda estaria a tocar.
A queda de um quadro
Ás vezes leio estes relatos que transmitem uma ideia de caos e falha em realizações como a Expo98 e sonho como será a próxima revolução. Como será que mudaremos de forma correcta o sonho de um país, que não parece ser o nosso.
Tenho esses sonhos e esses delírios.
fevereiro 16, 2013
"Diz-se que os povos felizes não têm história. "
“Falta-lhe a liberdade.
Só essa dor lhe dói.
Mas só por ela há-de
Não ser o ser que foi.”
Canção- Miguel Torga
Só essa dor lhe dói.
Mas só por ela há-de
Não ser o ser que foi.”
Canção- Miguel Torga
Vejam Bem
Houve alguém que disse que os jovem não sentiam o 25 de Abril no sangue. Houve um cantor que escrevia canções de intervenção. Houve alguém que as ouvia. Que as sentia. Que dormia com cravos na almofada.
Houve alguém que calou quem disse, e que acreditou piamente que a revolução, essa, ainda estava para vir.
Houve alguém.
Houve alguém que calou quem disse, e que acreditou piamente que a revolução, essa, ainda estava para vir.
Houve alguém.
fevereiro 15, 2013
Isabel não é?
Isabel não morava na Igreja, mas acordava pela manhã e vinha de noite desse mesmo santuário, cheio de ouro, segundo o que diziam os velhos.
Morei no direito junto a ela durante a minha infância e o cheiro da velhice e putrefacção da moradia antiga ainda se revela no nariz, e talvez vos saiba mal, mas quando essa sensação me invade fecho os olhos e sou feliz. Já vos tinha dito muitas vezes que era feliz, e hoje, Isabel veio-me ao pensamento. Assomou-me ao pensamento e tudo isso por causa dos livros.
Tudo isto porque a Isabel da Igreja morava ao nosso lado e só hoje me apercebi que ela tem nome de rainha. Já não a vejo muito por ali. Se calhar ardeu com os livros. Talvez se tenha mudado definitivamente para os escombros velhos do santuário que eu tão bem conheço porque fui lá rezar uma vez, e das seguintes cantei no púlpito para a gente de todo o lado.
A Isabel morava ao nosso lado e só lhe entrei em casa uma vez. Nunca mais me esqueço da penumbra ao lado da luz dos candeeiros antigos que eu apanhei com o olhar enquanto a minha mãe falava com ela no corredor, e eu escapuli-me lá para dentro e quis chorar.
A dimensão dessa descoberta só me atingiu hoje que me lembrei que a Isabel tem nome de rainha. E tinha um tesouro de livros lá para o canto da sala, e quando ela morresse, gostava de voltar à Igreja e pedir a Deus para ficar com os seus livros todos. Abraçá-la invisivelmente depois da sua morte, pegar nos livros por ordem e beber café à janela.
Sim, hoje lembrei-me da Isabel.
Porque estive contigo, e ao som da tua voz tudo é possível. Até a herança dos livros da Isabel.
Morei no direito junto a ela durante a minha infância e o cheiro da velhice e putrefacção da moradia antiga ainda se revela no nariz, e talvez vos saiba mal, mas quando essa sensação me invade fecho os olhos e sou feliz. Já vos tinha dito muitas vezes que era feliz, e hoje, Isabel veio-me ao pensamento. Assomou-me ao pensamento e tudo isso por causa dos livros.
Tudo isto porque a Isabel da Igreja morava ao nosso lado e só hoje me apercebi que ela tem nome de rainha. Já não a vejo muito por ali. Se calhar ardeu com os livros. Talvez se tenha mudado definitivamente para os escombros velhos do santuário que eu tão bem conheço porque fui lá rezar uma vez, e das seguintes cantei no púlpito para a gente de todo o lado.
A Isabel morava ao nosso lado e só lhe entrei em casa uma vez. Nunca mais me esqueço da penumbra ao lado da luz dos candeeiros antigos que eu apanhei com o olhar enquanto a minha mãe falava com ela no corredor, e eu escapuli-me lá para dentro e quis chorar.
A dimensão dessa descoberta só me atingiu hoje que me lembrei que a Isabel tem nome de rainha. E tinha um tesouro de livros lá para o canto da sala, e quando ela morresse, gostava de voltar à Igreja e pedir a Deus para ficar com os seus livros todos. Abraçá-la invisivelmente depois da sua morte, pegar nos livros por ordem e beber café à janela.
Sim, hoje lembrei-me da Isabel.
Porque estive contigo, e ao som da tua voz tudo é possível. Até a herança dos livros da Isabel.
o bairro do amor
Não o convidei para o Amor. Não, nesses dias as caixas esvaziavam-se e a
casa também andava triste. A casa dos nossos pais secava com o Inverno e eu já
não me lembrava muito bem o que era o amor. Sabia a exasperação dentro dos meus
sentidos quando os lábios se moviam, quando o corpo balançava, quando a mente
dele se concentrava. O rosto perscrutava a rua enquanto passeava o cão, e eu
distraí-me com as caixas vazias da minha avó com vestidos velhos. Ela nasceu na
República. Tinha o sabor da revolução nos cabelos, e eu agora queria o rapaz do
outro lado da rua. Queria o miúdo de olhar quebrado que passeava o cão e tocava
piano à noite. Eu ouvia-o a tocar Sassetti e imaginava-o a despir-se e entrar
no banho e esquecer-se que ninguém se lembrava da música. Eu não esquecia. Era
enquanto ele tocava que eu cozia os vestidos. Era enquanto a noite caía, e nos
cerrava os ouvidos com as horas, que eu mais lhe amava por dentro. E foi num dia
em que a noite quase não chegava que o esperei em frente ao piano. Levei a caixa
comigo, beijei-lhe a boca quente e ácida e deixei-me estar em frente ao piano.
Só lhe fiz amor passado anos. Eu
chamava-me Luísa, e ele era João. Amei-o uma vez na vida, e ele levou-me a
Amesterdão.
O dia do São Valentim
Andei à procura. Fartei-me de vasculhar. Penetrei nas roupas pouco cuidadas, t-shirts largas cheias de nódoas, os sorrisos tristes ou mesmo fingidos do outro lado da mesa. Numa havia uma máquina fotográfica pousada, cheia de raiva. Noutra duas ou três palavras entre a largada do garfo e o copo à boca. No fim restámos nós. E eu à procura do amor por todo o lado.
fevereiro 14, 2013
notas
Restritamente amamos algumas pessoas. Da melhor forma. Escondida e adulterada. Onde pode haver sexo e combustão, mas o amor está lá.
E depois partem-nos em bocados. Acabamos por nos habituarmos à falta de jeito. Ao atabalhoado.
E depois partem-nos em bocados. Acabamos por nos habituarmos à falta de jeito. Ao atabalhoado.
fevereiro 13, 2013
de como Sousa Braga nos explicou a verdade com 22 anos
http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2010/05/10/portugal/
enquanto a Primavera não chega
A minha avó nasceu no dia da República. A minha avó nasceu às 10h da manhã do dia 5 de Outubro de 1910, e sim era um jardim de Inverno. Chamava-se Luísa e casou-se com um poeta.
tributos pessoais
Nunca lhes tinha contado que o cheiro do pó nas mãos e a falta de embaraço lhe deliciavam, e que essa descoberta, sim, essa primeira vez em que tinha visto a máquina tinha sido fenomenal. As estrelas tinham-se alinhado, apesar do céu querer cobri-las e por detrás dessa verdade, das folhas brancas, das teclas a marcar o papel e o som de revolução havia os factos que permaneciam.
O bisavó que emigrara 20 anos na Argentina. O destino daquele escritor espanhol que lhe tinha vindo à cabeça na viagem de carro. Os anos a passar. Os séculos a mudarem, e ela ali, sem embaraço nenhum. As mãos sujas, o papel pronto, a máquina parada. O mundo no lugar certo.
Só faltava um pouco de sorte, e ao fim da noite toda a gente acreditaria.
O bisavó que emigrara 20 anos na Argentina. O destino daquele escritor espanhol que lhe tinha vindo à cabeça na viagem de carro. Os anos a passar. Os séculos a mudarem, e ela ali, sem embaraço nenhum. As mãos sujas, o papel pronto, a máquina parada. O mundo no lugar certo.
Só faltava um pouco de sorte, e ao fim da noite toda a gente acreditaria.
fevereiro 12, 2013
#19
O que mais adorava nela mesma eram os outros. Os outros dentro dela. As entranhas a regozijarem-se. As histórias que lhe davam de comer.
o monumental do Saldanha, vou lá
Os melhores dias são os dias despercebidos onde ninguém sabe onde se meteu o sol. Onde o corpo cansa e no ar parece haver uma depressão doce que nos conduz a casa. A caixa de correio não está vazia. De manhã, antes de a vida começar na vida, passar em lugares que ninguém conhece. Sermos transparentes durante umas horas e depois correr para o buraco quente da casa. Ler mais um bocado do livro que sobra e que, sim, realiza. E depois o dormir. Dormir para saber que não temos ninguém ao nosso lado.
Mas o amor é mesmo assim. Praticamos muito a arte da solidão.
fevereiro 11, 2013
#18
Salazar foi o pior governador do nosso país. Se os portugueses conhecem o terror é graças a ele.
às três da manhã sabe-se o que escrever
É estranho como achamos que os escritores pertencem a uma esfera que não nos cabe nas entranhas, e de que consequentemente, são feitos de pedra ou não estão cá. Imagina-mo-los de olhar atento na paisagem e de corpo hirto ou transparente.
Às vezes também me tomo por transparente. Mas ontem, quando o céu se carregava de água, a mulher entrou no estabelecimento com o olhar vazio e olhou-me. Eu sabia que era ela, ela também me adivinhou os traços. Pediu um café e eu debrucei-me sobre a saia comprida cheia de restos de tecidos, e a mala gasta. Aquela era a mulher que tinha escrito sobre as mães e fazia mandalas. Trabalhava em casa e tomava café aos domingos. Eu ontem de vestido bege e bandolete de flores descobri a mulher que junta pedras com amor quando o sol se esconde. E o mundo ficou melhor. Mais um escritor se deitou no meu peito, e as palavras já não fogem tanto.
fevereiro 10, 2013
#17
quero com isto dizer que o mundo é uma merda mesmo. É difícil amar, somos destruídos por dentro milhões e milhões de vezes, e ainda nos raptam para a loucura em certos momentos, mas uma certeza vos deixa.
Este é o melhor mundo que podiam ter.
Não o estraguem.
Este é o melhor mundo que podiam ter.
Não o estraguem.
fevereiro 09, 2013
akunamatata
Ontem distraí-me com a noite. A banda que tocava no bar gritava e lançava-se para as paredes com a garra e tudo o que eu conseguia pensar era em ti. Olhava para o baterista e lembrava-me de ti. Da força dos teus braços. Dos lábios suavemente trincados, como também gostavas que eu fizesse (sinal de satisfação) e a abstinência total do mundo. Eras tu que seguravas ali as baquetas. Eras tu que estavas longe e eu a lembrar-me de todas as noites em que eu saía e tu me perguntavas onde eu estava, sempre comigo debaixo de olho.
E agora deves estar a dormir. A noite já se foi embora. O sol derrete o gelo e tu a dormir. E eu só espero por uma chamada tua.
E agora deves estar a dormir. A noite já se foi embora. O sol derrete o gelo e tu a dormir. E eu só espero por uma chamada tua.
fevereiro 08, 2013
é a última que te explico
Já tinha desistido de te falar por aqui. Já tinha desistido de te mencionar em toda a literatura e letra que anda por aqui porque já estava farta da nossa história e de como ela foi uma decepção.
Mas depois de muitos meses passarem e de eu tentar apagar-te dos rascunhos, parece existir uma espécie de magia negra que nos coloca no caminho um do outro. E tu pareces querer permanecer aqui mas não de forma permanente. Deves querer levar-me à loucura com essa tua prestação. Ainda não deves ter entendido que é um desafio constante estar ao teu lado sem quedar se admiração. Não te deves lembrar, pois claro. Mas eu lembro de todos os segundos que passei ao teu lado e como os minutos cerrados desse espaço que atacavam a respiração. A maneira como falas, como andas, como os teus lábios se contorcem e largam o ar e pronunciam as palavras. A forma como andas. O teu olhar negro do castanho que perscruta a paisagem e não engana. Não deves ter reparado mas eu lembro-me de tudo. Da maneira como sabes seduzir. Como finges tão bem saber amar e parecer preocupar-te com a existência dos outros.
Ainda no outro dia, perdão, na outra noite, confessei sonhar-te quatro vezes consecutivas e riste-te de mim. Tentei explicar-te que a culpa é tua, e esse teu jeito é que mata os outros.
É simples o que te quero dizer. É doloroso. É simples. Muito simples até.
Dói estar pertinho de ti. Chegar junto a ti. Dar um passo na tua direcção. E porquê perguntas?
Porque é bom demais. Porque não há melhor junção de corpos que os nossos. Não há ninguém que saiba essa arte de satisfazer como tu. Não há ninguém que beije como tu. Não há ninguém que implore e fale como tu. Não há mesmo ninguém do raio como tu.
Não há. E por isso agradeço que te retires se a intenção não é ficar.
Porque se me convidares a entrar eu não vou querer sair. É tentador.
Até depois.
Mas depois de muitos meses passarem e de eu tentar apagar-te dos rascunhos, parece existir uma espécie de magia negra que nos coloca no caminho um do outro. E tu pareces querer permanecer aqui mas não de forma permanente. Deves querer levar-me à loucura com essa tua prestação. Ainda não deves ter entendido que é um desafio constante estar ao teu lado sem quedar se admiração. Não te deves lembrar, pois claro. Mas eu lembro de todos os segundos que passei ao teu lado e como os minutos cerrados desse espaço que atacavam a respiração. A maneira como falas, como andas, como os teus lábios se contorcem e largam o ar e pronunciam as palavras. A forma como andas. O teu olhar negro do castanho que perscruta a paisagem e não engana. Não deves ter reparado mas eu lembro-me de tudo. Da maneira como sabes seduzir. Como finges tão bem saber amar e parecer preocupar-te com a existência dos outros.
Ainda no outro dia, perdão, na outra noite, confessei sonhar-te quatro vezes consecutivas e riste-te de mim. Tentei explicar-te que a culpa é tua, e esse teu jeito é que mata os outros.
É simples o que te quero dizer. É doloroso. É simples. Muito simples até.
Dói estar pertinho de ti. Chegar junto a ti. Dar um passo na tua direcção. E porquê perguntas?
Porque é bom demais. Porque não há melhor junção de corpos que os nossos. Não há ninguém que saiba essa arte de satisfazer como tu. Não há ninguém que beije como tu. Não há ninguém que implore e fale como tu. Não há mesmo ninguém do raio como tu.
Não há. E por isso agradeço que te retires se a intenção não é ficar.
Porque se me convidares a entrar eu não vou querer sair. É tentador.
Até depois.
fevereiro 07, 2013
o roteiro de Pessoa
Se morrer, que morra ao lado do Tejo e sem medo da noite.
(lembrei-me que uma vez surripiei um marcador de livros do Pessoa do tamanho do palmo da minha mão e prometi escrever sobre a morte um dia desses quaisquer).
(lembrei-me que uma vez surripiei um marcador de livros do Pessoa do tamanho do palmo da minha mão e prometi escrever sobre a morte um dia desses quaisquer).
#16
Há um lugar escondido onde antes a terra dava uvas. Há 10 anos não me atrevia a olhar para o fundo da rua porque ao longe se avistava o nada. A rua que desse poeta e jornalista tinham vindo versos claros e precisos tinha ali a fonte ao fundo de um dos melhores vinhos de Portugal: o de Carcavelos. O generoso. Foi até há pouco tempo, quando a Primavera parecia descongelar o negrume, que atravessei o campo de flores amarelas e compreendi o monte de pedras e a sombra que as árvores faziam. E consigo, lado a lado, estavam as casas abandonadas que vão dar ao portão, que não sendo o principal, guarda ali história. Os cães já não param ali. Já não há latidos nem mesmo vestidos. As ervas continuam a crescer e a encher tudo de ar e pouca cor. Mas mesmo desta forma, sempre que o Inverno ataca e que o Verão nos apetece as árvores continuam imóveis e fazem o mesmo desenho escuro no chão que nos conduz para a vista em frente. E esse lugar é especial. O vinho mudou de sítio, mas ao fundo da rua está ali o telhado, as flores e o chão onde tudo começou. É o meu lugar com segredo. A Quinta do Barão.
fevereiro 06, 2013
karma ou qualquer coisa que lhe queiram chamar
A conversa que eu e Eça temos que ter, ainda está guardada naquela gaveta de madeira escura com chave. Estás para aí enterrada num sítio qualquer e já não se fala de incesto e esses romances de época. Agora já não se fala de Portugal. Está tudo farto de descrições longas sobre paredes e estantes de livros. E entretanto o destino age sobre nós. Esta semana é a minha vez.
Eça e eu temos mesmo de conversar.
Lisboa é Áurea, Lisboa é Prata, Lisboa é Ouro
Se algum dia se perguntarem porque é que em Lisboa cabe o mundo inteiro é só colocarem o pé na calçada e falar com a boca que em nenhum país do mundo se esculpe pedra como esta.
Eu vinha preparada. Na verdade fazia intenções de dançar como no salão no Rossio e jurei que não saía da praça porque estava perto das peixeiras. E as peixeiras tinham ouro, tinham lata e eram de Alfama. Mas ontem não cheguei a estar lá. Distraí-me nas entranhas de Lisboa que o resto do mundo acha banal. Na mala tinha a carta do presidente e o sol extraordinariamente não queimava os lábios. Eu vinha de blusa, batom, galochas e gabardina. Não sei porque razão mas Lisboa puxa-nos para as gabardines e sapatos cuidados. Fernando sabia-o na palma da mão. Encontrei-o por lá em todo o lado. Todo despido e esfarrapado. Tirei fotografias aos restos de ruas onde não batia o sol e andei até me doerem os dedos dos pés. Era essa a minha intenção. Chegar ao Largo do Carmo e descansar no banco, porque o Museu Arqueológico faz-nos isso. Faz-nos parar no meio da rua, fotografar lá atrás o Teatro da Trindade e depois com coração e um chocolate na boca descer a calçada e dar às escadinhas do Duque e perderem-se como eu durante meia hora, na livraria que mais parecia cenário de guerra. Ia jurar que era capaz de levar os livros todos para casa, mas lá estava um homem a trocar conversa com dois velhos que não me deixou. A conversa era irresistível. Ali fala-se de um homem que se matou e que levava uma vida inventada. Não haverá tanta gente por aí assim?
Mas continuei. Ontem andei com Camanés, Anas Moura e esses todos no ouvido. Vinha com a barriga a borbulhar porque o Grémio Literário estava ali e toda a gente parecia cega. Que raio! A porta trabalhada de madeira a ostentar um "G" bonito e ninguém passava na puta da rua. Eles devem andar aos pulos na cova.
Foi a partir daí que fui desistindo aos poucos da pressão e desacelerei o passo. A Bertrand ainda não tinha a Egoísta e já estava pronta para a desilusão. Oh mas a Brasileira não deixa. Lisboa não nos deixa ficar tristes dessa forma. É o elevador, as casas de vinho. As miúdos que tocam acordeão. Os homens estátua. As roupas velhas. As pessoas velhas. Tudo a ficar velho e a gente a deixar.
Fui ter com o velho à loja de Antiguidades quando ia a descer para o Cais do Sodré já ao fim da tarde. Aí os pés já estavam frios e a carteira estava fechada. Era por ali que andava a máquina de escrever que era capaz de roubar, mas no fim depois de engolir aquela coisa toda fiquei com o cartão do antiquário e prometi escrever à senhora. Hei-de eu trabalhar lá no verão e encho mais um bloco de notas. E vai começar com o livro de poesia do Júlio Dinis que comprei.
Hei-de eu levar Lisboa para casa no bolso e não chorar mais. Porque há beleza na dor lisboeta. Hei-de eu levar as peixeiras comigo para casa e escrever sobre elas. Ponho um colar de ouro ao pescoço e finjo que sou mulher.
Hei-de eu fazer isso tudo porque no comboio de volta se fazem bons planos e se provocam homens pelo telefone. Deixei lá Lisboa no mesmo sítio, mas trouxe essa certeza. Trouxe o sol que já não queima os lábios e traz atrevimento.
E ontem também me lembrei de ti. Deixei-te para o fim porque te ando a sonhar todas as noites e julgo que já não sou própria porque ainda te desejo. Quem não pode desejar essa voz e esses lábios depois de trazer Lisboa nos bolsos e fado nos ouvidos?
Trouxe Lisboa comigo por 2,50 € e a ti podia ficar contigo uma vida inteira.
fevereiro 05, 2013
fevereiro 04, 2013
um piano dentro da loja
A miúda era curiosa. Vinha com a boca doce e uma camisa azul escura. Uma blusa.O melhor do Jazz tocava ao vivo e sem demoras entrou na loja.
É claro que o empregado não iria estar à espera. O movimento do estabelecimento até o distraía da sensação bucólica que ela trazia na boca.
Abriu-a sem cuidado e falou:
- Esta ideia de ter um piano dentro da loja é fascinante não é?
- Desculpe? - pronunciou o empregado.
- Até chega a ser erótico. Quem teve a ideia?
- Para lhe ser sincero não sei.
Ali estava. O corpo a despir-se de nervosismo. A boca tremida. O pulso soado. Mais um pouco e o casaco estava apoiado no bengaleiro.
- Não se preocupe. Só achei a ideia genial. Até um dia destes.
E ela saiu, outra vez sem cuidados. Sorriu para trás e continuou a caminhar no corredor. Mas o que ele não sabia é que também ela tremia com o corpo. Também tinha essa dor suave e doce no meio das pernas e pelo cabelo escorriam ideias novas sobre o empregado da loja com o piano no centro do tapete.
É claro que o empregado não iria estar à espera. O movimento do estabelecimento até o distraía da sensação bucólica que ela trazia na boca.
Abriu-a sem cuidado e falou:
- Esta ideia de ter um piano dentro da loja é fascinante não é?
- Desculpe? - pronunciou o empregado.
- Até chega a ser erótico. Quem teve a ideia?
- Para lhe ser sincero não sei.
Ali estava. O corpo a despir-se de nervosismo. A boca tremida. O pulso soado. Mais um pouco e o casaco estava apoiado no bengaleiro.
- Não se preocupe. Só achei a ideia genial. Até um dia destes.
E ela saiu, outra vez sem cuidados. Sorriu para trás e continuou a caminhar no corredor. Mas o que ele não sabia é que também ela tremia com o corpo. Também tinha essa dor suave e doce no meio das pernas e pelo cabelo escorriam ideias novas sobre o empregado da loja com o piano no centro do tapete.
fevereiro 03, 2013
#14
Eu sabia que não era a única a ouvir o silêncio:
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=624755&tm=4&layout=122&visual=61
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=624755&tm=4&layout=122&visual=61
"E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro."
Hoje à noite vou dormir. Amanhã vou procurar a frase do Pepetela que me esqueci no Chiado e esperar que a vida se canse um bocado. Se canse de ser fingida.
aos Domingos tudo muda
Já não bastava ter entornado o café, já não há máquina de escrever para ninguém.
Eu faço tudo ao contrário.
Eu bem disse que nos Domingos alguma coisa muda. Nem que seja a sorte.
#13
Eu não espero nada de ninguém. Nem do mundo. Às vezes tenho um coração maior que ele e chego a pensar que é um privilégio ter participado na mesma esfera que os outros. Só queria um café. Umas palavras. Nada de mais.
fevereiro 02, 2013
atrapalhado chegou Pessoa ao Chiado
O amor atrapalha-nos as circunstâncias. Deve ter sido o Pessoa mesmo ali em baixo que me distraiu com o fado da Ana Moura. Acho esta ideia de tocarem fado numa livraria deliciosa e catastrófica. É triste como às vezes os portugueses se esquecem de quem canta no pano de fundo. Mas vou continuar.
Nós, os escritores, temos esta predilecção por esta agonia saudável de estarmos no mundo, e nós da Lusitânia somos especiais; personalizados. Acabei de te ver ali ao fundo com a mochila no ombro e o casaco. Olhaste para a sala, deste duas ou três palavras com o homem e sumiste. Eu vim aqui sem saber bem o que venho fazer. Trouxe um canudo com letras na mala e estou meio tonta da viagem de comboio. Entregaste-te ao encanto da barba e das camisas sem poros, a meio que desajeitadas. Mas não me importo. Hoje há poesia aqui no Chiado e já vi que o Pessoa está acordado.
Se calhar ninguém sabe, mas isto hoje parece vazio e triste. Não, não é por tua causa. Esqueceram-se, acontece. Também me acontece durante a noite não querer fechar os olhos porque as estrelas chamam por mim, mas hoje isto está triste.
Esta melancolia que nos é comum está a comer as paredes do café e as vozes diminuem.
Hoje na Sábado vinham tragédias atrás de tragédias. Portugal sumiu-se nos relatos dele mesmo. Portugal desapareceu. Não o viste por aí? Não o viste circular com fome e frio numa rua destas por aqui?
Estou farta de perguntar e ninguém sabe. E tu hoje tens a barba um pouco crescida e vais dar-nos poesias que agora se compra. Agora tudo se compra, até tu te vendes já reparaste?
Enfim, as paredes estão tristes e não há nada que possamos fazer. Fazes parte do meu presente e nem sequer te conheço. Só a voz. Só temos de tu aquilo que precisamos de ouvir de Portugal. Temos de ti esse bocado leve e medonho de carne de Portugal que se perdeu porque o deixámos perder. Eu perdi Portugal! Tu perdeste Portugal, nós perdemos Portugal.
Mas hoje estou aliviada. As paredes estão tristes mas o Chiado tem pernas para andar.
Até já.
fevereiro 01, 2013
posso contar-te um segredo?
quando a noite está mesmo escura e o silêncio se ouve na rua porque estão todos a dormir eu sou feliz. Faço um esgar com os olhos, aperto as pupilas e recebo o mundo cá dentro. Não posso dormir, perco as melhores aventuras do mundo nesse compasso de tempo.
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