Não o convidei para o Amor. Não, nesses dias as caixas esvaziavam-se e a
casa também andava triste. A casa dos nossos pais secava com o Inverno e eu já
não me lembrava muito bem o que era o amor. Sabia a exasperação dentro dos meus
sentidos quando os lábios se moviam, quando o corpo balançava, quando a mente
dele se concentrava. O rosto perscrutava a rua enquanto passeava o cão, e eu
distraí-me com as caixas vazias da minha avó com vestidos velhos. Ela nasceu na
República. Tinha o sabor da revolução nos cabelos, e eu agora queria o rapaz do
outro lado da rua. Queria o miúdo de olhar quebrado que passeava o cão e tocava
piano à noite. Eu ouvia-o a tocar Sassetti e imaginava-o a despir-se e entrar
no banho e esquecer-se que ninguém se lembrava da música. Eu não esquecia. Era
enquanto ele tocava que eu cozia os vestidos. Era enquanto a noite caía, e nos
cerrava os ouvidos com as horas, que eu mais lhe amava por dentro. E foi num dia
em que a noite quase não chegava que o esperei em frente ao piano. Levei a caixa
comigo, beijei-lhe a boca quente e ácida e deixei-me estar em frente ao piano.
Só lhe fiz amor passado anos. Eu
chamava-me Luísa, e ele era João. Amei-o uma vez na vida, e ele levou-me a
Amesterdão.
Sem comentários:
Enviar um comentário