Morei no direito junto a ela durante a minha infância e o cheiro da velhice e putrefacção da moradia antiga ainda se revela no nariz, e talvez vos saiba mal, mas quando essa sensação me invade fecho os olhos e sou feliz. Já vos tinha dito muitas vezes que era feliz, e hoje, Isabel veio-me ao pensamento. Assomou-me ao pensamento e tudo isso por causa dos livros.
Tudo isto porque a Isabel da Igreja morava ao nosso lado e só hoje me apercebi que ela tem nome de rainha. Já não a vejo muito por ali. Se calhar ardeu com os livros. Talvez se tenha mudado definitivamente para os escombros velhos do santuário que eu tão bem conheço porque fui lá rezar uma vez, e das seguintes cantei no púlpito para a gente de todo o lado.
A Isabel morava ao nosso lado e só lhe entrei em casa uma vez. Nunca mais me esqueço da penumbra ao lado da luz dos candeeiros antigos que eu apanhei com o olhar enquanto a minha mãe falava com ela no corredor, e eu escapuli-me lá para dentro e quis chorar.
A dimensão dessa descoberta só me atingiu hoje que me lembrei que a Isabel tem nome de rainha. E tinha um tesouro de livros lá para o canto da sala, e quando ela morresse, gostava de voltar à Igreja e pedir a Deus para ficar com os seus livros todos. Abraçá-la invisivelmente depois da sua morte, pegar nos livros por ordem e beber café à janela.
Sim, hoje lembrei-me da Isabel.
Porque estive contigo, e ao som da tua voz tudo é possível. Até a herança dos livros da Isabel.
Muito muito bom Mariana, dos melhores textos que já li teus.
ResponderEliminarTens o dom das palavras e isso torna-te especial.
Um Beijinho :)