setembro 27, 2012

sabonetes de lavanda



Antes e depois de conhecer o A passava muitas vezes o meu tempo a ver-nos do outro canto da vista aconchegados naquele canto de cama a sussurrar palavras ao ouvido um do outro. Era assim que melhor nos conhecíamos, nos silêncios um do outro, nas solidões e naqueles beijos rápidos que dávamos quando nos despedíamos. Mas eram as horas mais lentas que pareciam chuva de inverno, que eu mais gostava. Nesses tempos vivos onde éramos camaleões olhávamos um para o outro e sorríamos porque sabíamos que era aquilo que nos fazia feliz. Vais ler isto e chamar-me louca, mas eu perco-me nestes pensamentos todos os dias, porque quem percorreu uma estrada assim não esquece facilmente o bem que lhe fizeram, mais que o mal Raquel.
Mais que o resto eu prezo a parte doce da nossa relação e quando tremo é porque sinto falta do abraço dele. Sinto falta de um tal calor que ele me oferecia durante a tarde e durante o abraço que demorava horas e onde eu me encolhia e jurava nunca acabar. E depois era o cheiro daquela divisão e a fragrância que vinha da janela, como se estivéssemos em frente a um jardim cor de nata e lilás e o sol sorrisse para nós numa aldeia perdida no sul de França.
A isso chamamos de fenómenos. Momentos cruciais que nos aparecem no pensamento quando vemos alguma coisa, quando cheiramos alguma coisa ou ouvimos alguma coisa. O António era essa visão de Outono triste, mas que caminhava forte na minha direcção. Falo-te dele hoje porque hoje ele está em todo o lado e não desaparece e sei que hoje o teu coração está cheio de amor e receio por outra pessoa.
O António era esse frasco de compota que se abria no inverno seguinte depois de macerar e ao cheirar o recipiente chorávamos de contentamento porque afinal era verão naquela gelatina que ia parar ao pão.
Olho para ti querida e lembro-me da tua transformação naquela praia perdida. Dos teus dedos furiosos na areia e na repetição negra das palavras como se a tempestade já começasse em ti e tu te desses conta dos relâmpagos em casa antes de todos nós à espera da água que nos molhou a roupa.
Olho para ti, fora de mim, porque esse exercício é mais difícil e sei que o vês da mesma forma que eu via o António antes de o ter como meu. Sim. Tens essa crença desproporcional de que não há sol no outro lado da cerca, mas é nos olhos dele que te encontras ao fim do dia.
É na sombra do corpo dele que descansas o pensamento e é no rosto dele que adormeces para não dizer que o sonhas com luas cheias em dias outonais.
Mas há parte boa nisso. Em todas as visões há uma esperança. Uma queda, mas um levantamento também. E se caíres, eu estico-te o meu braço e sento-te à mesa. Há bolinhos de canela, chá de frutos silvestres e sabonete de lavanda à espera na banheira para tomares um banho de imersão.

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