Antes e depois de conhecer o A passava muitas
vezes o meu tempo a ver-nos do outro canto da vista aconchegados naquele canto
de cama a sussurrar palavras ao ouvido um do outro. Era assim que melhor nos
conhecíamos, nos silêncios um do outro, nas solidões e naqueles beijos rápidos
que dávamos quando nos despedíamos. Mas eram as horas mais lentas que pareciam
chuva de inverno, que eu mais gostava. Nesses tempos vivos onde éramos
camaleões olhávamos um para o outro e sorríamos porque sabíamos que era aquilo
que nos fazia feliz. Vais ler isto e chamar-me louca, mas eu perco-me nestes
pensamentos todos os dias, porque quem percorreu uma estrada assim não esquece
facilmente o bem que lhe fizeram, mais que o mal Raquel.
Mais que o resto eu prezo a parte doce da nossa
relação e quando tremo é porque sinto falta do abraço dele. Sinto falta de um
tal calor que ele me oferecia durante a tarde e durante o abraço que demorava
horas e onde eu me encolhia e jurava nunca acabar. E depois era o cheiro
daquela divisão e a fragrância que vinha da janela, como se estivéssemos em
frente a um jardim cor de nata e lilás e o sol sorrisse para nós numa aldeia
perdida no sul de França.
A isso chamamos de fenómenos. Momentos cruciais que
nos aparecem no pensamento quando vemos alguma coisa, quando cheiramos alguma
coisa ou ouvimos alguma coisa. O António era essa visão de Outono triste, mas
que caminhava forte na minha direcção. Falo-te dele hoje porque hoje ele está
em todo o lado e não desaparece e sei que hoje o teu coração está cheio de amor
e receio por outra pessoa.
O António era esse frasco de compota que se abria
no inverno seguinte depois de macerar e ao cheirar o recipiente chorávamos de
contentamento porque afinal era verão naquela gelatina que ia parar ao pão.
Olho para ti querida e lembro-me da tua
transformação naquela praia perdida. Dos teus dedos furiosos na areia e na
repetição negra das palavras como se a tempestade já começasse em ti e tu te
desses conta dos relâmpagos em casa antes de todos nós à espera da água que nos
molhou a roupa.
Olho para ti, fora de mim, porque esse exercício é
mais difícil e sei que o vês da mesma forma que eu via o António antes de o ter
como meu. Sim. Tens essa crença desproporcional de que não há sol no outro lado
da cerca, mas é nos olhos dele que te encontras ao fim do dia.
É na sombra do corpo dele que descansas o
pensamento e é no rosto dele que adormeces para não dizer que o sonhas com luas
cheias em dias outonais.
Mas há parte boa nisso. Em todas as visões há uma
esperança. Uma queda, mas um levantamento também. E se caíres, eu estico-te o
meu braço e sento-te à mesa. Há bolinhos de canela, chá de frutos silvestres e
sabonete de lavanda à espera na banheira para tomares um banho de imersão.
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